Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 27, 2007

Merval Pereira - O plano B

M


O Globo
27/11/2007

A prorrogação da CPMF, com o conseqüente aporte aos cofres públicos de R$120 bilhões nos próximos três anos, transformou-se na viga de sustentação da nova tendência econômica expansionista do governo e, em contraposição, no principal alvo oposicionista para inviabilizar os projetos governistas. Os Democratas, que desde o início da discussão colocaram-se contra qualquer negociação com o governo, estão convencidos de que não há votos suficientes para a aprovação em plenário, e acreditam que o governo Lula terá que rever seus projetos expansionistas, anunciados pelo próprio presidente Lula na entrevista de domingo ao GLOBO.

Antes mesmo de o presidente ser tão explícito na sua adesão à nova tendência gastadora da equipe econômica, já havia sinais de mudança, embora eles pudessem ser apenas indicadores de que estava aberta mais uma frente da disputa que, desde o início do governo, contrapõe os "ortodoxos" aos "desenvolvimentistas". Afinal, parece que o governo está disposto a adotar o famoso "plano B", de que tanto se falava quando o ex- ministro da Fazenda Antonio Palocci era atacado por sua "ortodoxia".

As mudanças no Ipea, e o expurgo que ocorreu em seus quadros, com a exclusão de economistas que defendiam o controle dos gastos públicos, eram indicadores de que o rumo da política econômica estava sendo alterado.

Os economistas Marcio Pochmann, novo presidente do Ipea, e João Sicsu, novo diretor de Estudos Macroeconômicos, já defendiam em artigos e entrevistas a tese de que o Estado brasileiro, ao invés de inchado, é "nanico" e "raquítico".

Em suma, os dois representam uma linha que defende a política de aceleração da queda dos juros como solução para a redução da carga tributária e a retomada da capacidade de investimento do país, em vez do corte dos gastos com contratação de pessoal ou no sistema previdenciário.

Sicsu acha que um sentimento antiestatal e a propaganda liberal do "Estado ineficiente" ganham ressonância na sociedade porque o "governo gasta de forma ineficiente e exagerada". Mas ele não se refere aos gastos de pessoal ou da Previdência Social, mas ao pagamento de "juros inaceitáveis relativos à divida pública".

Ele classifica o Estado brasileiro de "nanico", e diz que uma "vitamina" que o Estado precisa tomar para superar o seu naniquismo é a contratação de fiscais, professores, engenheiros, médicos, pesquisadores e policiais, a mesma tese defendida pelo presidente Lula na entrevista ao GLOBO. Uma tese popular, mas não necessariamente correta, pois há indícios claros de que o problema do governo não é gastar pouco, mas gastar mal devido à sua incapacidade de gestão.

Já Márcio Pochmann afirma que cortar despesas com juros permitiria a redução da carga tributária em cinco pontos percentuais. Há informações de que o Banco Central já está sendo pressionado pelo próprio Lula para acelerar a queda dos juros, para dar margem à nova tendência, sem levar em conta o fato de que a relação dívida/PIB, que já chegou perto de 60% às vésperas das eleições presidenciais em 2002 devido ao temor da vitória de Lula, hoje está em 44,4%, com previsão de encerrar este ano em 43,30%, em claro declínio.

Ao contrário, todos os estudos demonstram que os demais gastos públicos estão crescendo, com a queda dos juros permitindo inclusive que os superávits fiscais da União sejam reduzidos, embora a arrecadação continue subindo.

Se prevalecesse ainda a linha implantada no início do governo pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, os superávits seriam mantidos para reduzir mais rapidamente a relação dívida/PIB, ou para reduzir a carga tributária.

Segundo estudos do economista Fábio Giambiagi, um dos expurgados pelo Ipea, nos últimos 16 anos, o gasto primário do governo central, que corresponde especialmente a benefícios do INSS, pagamento de pessoal e transferências a estados e municípios, aumentou nada menos que 7,5% do PIB, passando de 14% do PIB, em 1991, para uma estimativa de 22% do PIB em 2007.

Nesse mesmo período, a receita do governo central subiu de 15% do PIB para 24% do PIB e a carga tributária de 24% para aproximadamente 35% do PIB. Ao mesmo tempo, o salário mínimo teve um reajuste real da ordem de 111%, já sendo maior o aumento nos cinco anos de Lula que nos oito anos de Fernando Henrique. Nosso sistema previdenciário, incluindo as leis assistenciais que protegem os idosos e os desempregados, já consome 12% do PIB, sendo que, de cada três aposentados, dois ganham salário mínimo.

Por isso, uma maneira de conter os gastos públicos sugerido pelo economista Fabio Giambiagi é uma reforma ampla da Previdência, com a indexação de todas as aposentadorias ao INPC, para que os aposentados tenham a garantia de que não perderão o poder de compra, mas deixem de ter aumentos reais, que sobrecarregam o sistema.

Entre manter o superávit primário alto e fazer as reformas estruturais necessárias que estavam previstas na primeira fase do governo, e manter uma postura expansionista dos gastos que dá popularidade ao governo, a tendência agora é continuar aumentando os gastos públicos e tentar abrir espaços para mais investimentos com a redução acelerada dos juros.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, está claramente isolado dentro do governo, mas tem a seu favor a estabilidade da inflação e a cautela que o novo momento da economia mundial sugere. Se, como tudo indica, a economia dos Estados Unidos se aproximar de uma recessão, a economia mundial perderá a exuberância que vem exibindo nos últimos cinco anos, e os investidores internacionais aumentarão seu temor ao risco.

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