Pesquisadores americanos e japoneses conseguem fazer com que células da pele voltem a ser células-tronco embrionárias
Anna Paula Buchalla
Jeff Miller/AP | AP |
O americano Thomson e o japonês Yamanaka: pais da reprogramação celular |
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Duas equipes de pesquisadores, uma americana e outra japonesa, anunciaram uma façanha que fornece mais um rumo aos estudos sobre o uso terapêutico de células-tronco. Lideradas por James Thomson, da Universidade de Wisconsin, e por Shinya Yamanaka, da Universidade Kioto, elas conseguiram fazer com que células adultas da pele regredissem ao estágio de embrionárias e depois se transformassem em neurônios e células cardíacas. Existem dois grupos de células-tronco: as embrionárias e as adultas. As primeiras são retiradas de embriões, no estágio em que eles não passam de um amontoado de células indiferenciadas entre si. As adultas, por sua vez, são encontradas sobretudo no cordão umbilical e na medula óssea. Além de se multiplicarem mais facilmente, as células embrionárias são muito mais versáteis do que as adultas. Elas têm a capacidade de se transformar em qualquer um dos 220 tipos de célula do organismo. Por isso, são a grande esperança no tratamento de diversas doenças – problemas cardíacos, derrames, diabetes, disfunções neurológicas e traumas na medula espinhal. Os estudos com as células-tronco embrionárias, porém, estão cercados de questionamentos éticos. Usá-las em experiências significa matar embriões humanos – o que, do ponto de vista religioso, representa um atentado à vida. A princípio, esse entrave parece resolvido com o feito das equipes de Thomson e de Yamanaka. Eles conseguiram identificar genes humanos capazes de reprogramar o DNA das células da pele, convertendo-as em embrionárias, sem que seja preciso matar embriões. Os resultados dos trabalhos americano e japonês saíram nas revistas científicas Science e Cell, respectivamente.
Foi um trabalho árduo de tentativa e erro. Entre mais de 1.000 genes com algum poder de reprogramar células, os pesquisadores descobriram que a combinação de quatro deles tinha o poder de "ligar" e "desligar" totalmente funções celulares – ou seja, de fazer com que uma célula adulta voltasse a ser embrionária. No grupo dos japoneses, de cada 5.000 células de pele inoculadas com os genes, chegou-se a apenas uma célula embrionária. No caso dos americanos, essa proporção foi de 10.000 para uma. O passo seguinte foi induzi-las a se metamorfosear em neurônios e células cardíacas.
As pesquisas de Thomson e Yamanaka foram comemoradas pelos opositores do uso de embriões humanos como uma vitória consagradora. Entre eles, o presidente americano George W. Bush e seus assessores mais próximos. Há seis anos, para agradar aos cristãos fundamentalistas que fazem parte de seu rebanho eleitoral, ele proibiu o financiamento governamental de experiências com células-tronco embrionárias. Sua turma chegou a dizer, inclusive, que os cientistas enveredaram por esse caminho – o de tentar transformar células adultas em embrionárias – graças ao veto presidencial. Seria o primeiro caso na história da humanidade em que a ciência recebeu um impulso da censura. Bobagem, é claro. Cientista que se preza não evita nenhuma linha de pesquisa. A tentativa de criar células embrionárias a partir de adultas é um objetivo que esteve sempre presente nos estudos sobre o assunto. O que se conseguiu, agora, foi passar da intenção à realidade – que, enfatize-se, ainda está circunscrita aos laboratórios. A façanha de americanos e japoneses também não significa o abandono dos experimentos com embriões humanos. Eles continuam permitidos, sem restrições, em dois países: Inglaterra e Coréia do Sul.
Os estudos com células-tronco embrionárias já têm quase uma década, mas persistem os problemas com sua manipulação. "Até hoje não se conseguiu encontrar um mecanismo para controlar o ritmo com que elas proliferam", diz a geneticista Lygia da Veiga Pereira. As células-tronco embrionárias se multiplicam tanto e tão rapidamente que podem dar origem a tumores malignos. E é aqui que reside o principal problema das técnicas de reprogramação desenvolvidas por Thomson e Yamanaka. A transformação de uma célula da pele em embrionária também requer uma série de alterações genéticas sobre a qual não se tem nenhum controle. "Levará pelo menos uma década para essa técnica começar a dar resultados em humanos, dentro de parâmetros aceitáveis de segurança", diz Hans Dohmann, especialista em células-tronco. Mas não há dúvida de que a medicina deu um grande passo. Um primeiro grande passo.
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