O Estado de S. Paulo |
28/11/2007 |
O delegado-geral do Pará, Raimundo Benassuly, levantou suspeita sobre a saúde mental da menina que ficou 24 dias à mercê de 30 homens numa cadeia no interior do Estado, sob a tutela do poder público e ao alcance de quem quisesse ouvir seus pedidos de socorro na cidade de Abaetetuba onde, segundo relato de moradores, era de conhecimento geral a presença na delegacia de uma mulher servindo ao festim de bárbaros, em regime de conivência com a polícia, a Justiça, a sociedade local. Ele não disse nada que o caso em si não tivesse dito a respeito das autoridades paraenses. A garota certamente não é dona de seu juízo, de seu corpo, de sua saúde física nem mental. É uma morta em vida. Um ser sem chance na vida. Já o delegado é um débil emocional, funcional e social por opção e convicção. Sua declaração chocou, incomodou a governadora Ana Júlia Carepa, porque foi feita em Brasília, nas dependências do Senado da República. Mas não destoou do cenário de indiferença, brutalidade espiritual e insensibilidade social que marcaram algumas reações ao episódio desde a sua descoberta para o País e o mundo. Segundo o delegado, a garota “tem algum problema” porque “em nenhum momento declarou sua menoridade penal”. Seguiu na toada da discussão sobre a prisão “da menor”, da agressão ao Estatuto da Infância e da Adolescência, do absurdo de a delegada que prendeu e a juíza que autorizou serem mulheres. Fossem homens o absurdo seria menor, poder-se-ia “explicar” a atrocidade atribuindo-a à solidariedade masculina, ao machismo? Fosse uma mulher de 30, 40, 50 anos seria menos chocante? Tivesse a menina declarado sua menoridade penal, delegada, juíza, carcereiros, policiais, prefeitura, conselho tutelar, secretário de Segurança Pública, governadora teriam ouvido e se preocupado com o destino da infeliz? Nem por um instante. Como de resto não há a menor preocupação com as “regras da cadeia” em nenhum ponto do País, onde os abusos sexuais fazem vítimas garotas e garotos, menores e maiores, sob o beneplácito de toda a sociedade à qual pouco se lhe dá o que se passa dentro das prisões, a não ser quando das masmorras emerge algum caso que ameace a vida aqui fora ou que sacuda, pela exorbitância, os espíritos anestesiados. E quando o barbarizado é um rapaz, um homem que seja, por que ninguém se incomoda de fato? Justamente porque ninguém se espanta com nada nem reage a coisa alguma é que se chega a esse ponto de degradação. Humana e social. Basta ver como houve uma acomodação de sentimentos em relação às selvagerias de rua, desde o espanto da queima do índio Galdino em Brasília anos atrás. Não passa muito tempo sem que se tenha notícia de um mendigo brutalizado nas ruas das grandes capitais, prática já incorporada à rotina de horror. Neste exato momento em que o Brasil é elevado à condição de país de alto desenvolvimento humano pela ONU, casos semelhantes acontecem País afora. Às autoridades não interessa mexer no assunto porque preso não dá voto e pobre só importa quando pode ser incluído na rubrica “classe D e E” das estatísticas eleitorais. Mas um episódio assim fala mais de subdesenvolvimento e desumanidade que qualquer estatística. O Pará não é o único Estado a abrigar tais atrocidades, mas, como é o que está em evidência, serve de exemplo. A governadora Ana Júlia Carepa, à falta de possibilidade de negar a evidência, admitiu a ocorrência de monstruosidades como a de Abaetetuba há muito tempo e em toda parte. Atribuiu a situação a governos anteriores, mas nada fez quando o eleitor paraense lhe deu a oportunidade de ser governo e tomar uma providência. Não tomou porque não encontraria no gesto nenhuma recompensa político-eleitoral. Agiu com presteza, porém, na liberação de funcionários públicos do serviço às sextas-feiras durante as férias do mês de julho, para “normatizar práticas comuns nos anos anteriores”. De onde se observa que havia preocupação da governadora com situações herdadas de seus antecessores. Seletiva, entretanto. Abundante para consolidar o ponto facultativo de parte substancial de seu eleitorado, mas escassa para dedicar alguns momentos de sua atenção às orgias macabras nas cadeias do Estado. Quando elas se tornaram uma ameaça política, aí sim a governadora correu (em velocidade reduzida, diga-se) para manifestar sua indignação e pedir verbas em Brasília. Na capital federal a falta de interesse não foi menor e, se compararmos duas tragédias, a da menina e a da morte de sete pessoas no desabamento do estádio de futebol na Bahia, teremos a comprovação da diferença de pesos e medidas aplicada à conveniência do poder público. O desastre no estádio mereceu presença imediata do ministro dos Esportes e manifestação do presidente da República, como, de resto, deveria mesmo ocorrer. Mas o drama da garota não recebeu palavra nem presença. No máximo, uma tardia nota oficial e a certeza do ministro da Justiça de que os abusos “vão continuar”. |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quarta-feira, novembro 28, 2007
Dora Kramer - Debilidade funcional
Arquivo do blog
-
▼
2007
(5161)
-
▼
novembro
(510)
- Míriam Leitão - A verdade de L.
- Merval Pereira - Disputa de poder
- Luiz Garcia - No Pará, no Rio
- Eliane Cantanhede - "Chique"
- Dora Kramer - Fora da agenda
- Clóvis Rossi - O câncer e o PT
- Celso Ming - Vento do medo
- Muy amigos...
- A truculência de Chávez
- Caras emoções baratas - Nelson Motta
- Lula não confia nos oprimidos: sobe hoje a favela ...
- Sarkozy: 'Distúrbios não são crise social'
- 30 de novembro
- O ataque fascistóide de Lula ao DEM
- OS PATIFES DAS ZAMÉRICAS
- Alberto Tamer - Brasil, feliz, não vê mais nada
- O pior entre os melhores
- Míriam Leitão - Mundo novo
- Merval Pereira - A reboque
- Eliane Cantanhede - Chávez e as Farc
- Dora Kramer - Tiros no peito
- Clóvis Rossi - Exaltação da mediocridade
- Celso Ming - Força nova
- Contra o interesse nacional
- Clipping 29 de novembro
- Míriam Leitão - Em três dimensões
- Merval Pereira - Continente em transe
- Dora Kramer - Debilidade funcional
- Celso Ming - A salvação vem das Arábias
- Clipping 28 de novembro
- AUGUSTO NUNES -Três retratos 3x4 da geléia tropical
- FHC rebate Lula e diz que ?não pode haver preconce...
- DORA KRAMER Notícias do palácio
- Merval Pereira - O plano B
- Míriam Leitão - Licença para gastar
- Clipping 27 de novembro
- Rubens Barbosa,O DIFICIL CAMINHO DA MODERNIZACÃO
- Clipping 26 de novembro
- Ainda FHC, Lula, os educados e os tontons-macoutes...
- DANUZA LEÃO
- FERREIRA GULLAR Rumo à estação Lulândia
- ELIANE CANTANHÊDE Exceção
- Clovis Rossi-O diploma e o lado
- Miriam Leitão Ampliar o debate
- O GLOBO ENTREVISTA LULA
- O GLOBO ENTREVISTA Luiz Inácio Lula da Silva
- Merval Pereira Submarino nuclear
- João Ubaldo Ribeiro Aqui da minha toca
- DANIEL PIZA
- Estadão entrevista Ronaldo Sardenberg
- Alberto Tamer Dólar e petróleo ameaçam o Brasil
- Mailson da Nóbrega
- Democracia ferida
- Celso Ming O desequilíbrio do ajuste
- DORA KRAMER Sem o cheque, resta o choque
- Vergonha nacional
- Tucanos perdidos na floresta
- Quem ganhou com as privatizações
- Entre aloprados e pajés
- Tratamentos a Lula e Azeredo contrastam
- VEJA Carta ao leitor
- VEJA Entrevista: Saulo Ramos
- MILLÔR
- Stephen Kanitz
- Radar
- André Petry
- Diogo Mainardi
- Roberto Pompeu de Toledo
- O PSDB renova seu discurso de oposição
- Projeto liquida com o cargo de suplentes
- A queda do ministro Mares Guia
- Renan Calheiros: a novela continua
- Adolescente é estuprada em cadeia do Pará
- Fechado o restaurante do denunciante do mensalinho
- França Sarkozy enfrenta sindicatos com o apoio ...
- Desbaratada a quadrilha de Fernandinho Beira-Mar
- Nos EUA, quem bebe e dirige é punido
- O carro islâmico da Malásia
- Grandes lojas aderem ao ritmo fast-fashion
- O celular que funciona como cartão eletrônico
- A escova de dentes que dispensa a pasta
- A Amazon lança aparelho que recebe livro digital
- Encontrada a gruta de Rômulo e Remo
- Thiago Pereira, nosso recordista mundial de natação
- A guerra contra a garrafa plástica de água mineral
- Estudo põe em xeque o programa brasileiro antitabaco
- Agora, a FDA aperta o cerco contra o sal
- Células-tronco são obtidas a partir de células da ...
- O que pensam os militares brasileiros
- Michel Schlesinger: um jovem na Congregação Israelita
- O significado da desvalorização do dólar
- Interferência política e concessão de empréstimos
- As opções de cirurgia para a correção da vista
- Cuidados com os olhos no verão
- Einstein – Sua Vida, Seu Universo, de Walter Isaacson
- A Economia em Machado de Assis
- A Mídia do Golpe e A Mídia do Contragolpe
- Lula reage a FHC — “reservadamente”, é claro...
- Merval Pereira Reforçando a defesa
- Celso Ming Vai mudar a economia?
-
▼
novembro
(510)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA