A parte mais polêmica da discussão em curso sobre o Plano Estratégico Nacional de Defesa é a que se refere ao projeto do submarino nuclear, que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou recentemente em seminário no Rio como imprescindível para a defesa de nosso litoral, depois da descoberta do megacampo petrolífero Tupi, na costa santista. Embora Jobim tenha deixado claro que o programa nuclear brasileiro não será usado para fins não-pacíficos, em um governo que desde seus primórdios não esconde as críticas ao fato de o Brasil ter assinado, na gestão de Fernando Henrique, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), sempre que o tema nuclear é abordado há a sensação de que se trata de preparação para uma mudança de posição.
Ainda mais que, na mesma época, o secretário de Política, Estratégia e Relações Internacionais do Ministério da Defesa, general-de-Exército José Benedito de Barros Moreira, defendeu em um programa de televisão que o Brasil desenvolva a tecnologia necessária para a fabricação da bomba atômica: “Nós temos de ter no Brasil a possibilidade futura de, se o Estado assim entender, desenvolver um artefato nuclear. Não podemos ficar alheios à realidade do mundo.” O descumprimento do TNP ocorreria, segundo ele, no caso hipotético de um país vizinho fabricar a bomba ou “no momento em que o Estado se sentir ameaçado”. O general não foi desautorizado por ninguém do governo, mas o uso do submarino nuclear para a defesa de nossa costa provocou polêmica.
Clóvis Brigagão, do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade Candido Mendes, atribui à veia política do ministro o uso do exemplo do submarino nuclear, mas admite que “não há ninguém responsável que não afirme, diante da grandeza do Brasil e de suas exigências de defesa, que as Forças Armadas necessitam ser reaparelhadas, modernizadas, atualizadas para enfrentar situações críticas, quer em decorrência de corrida armamentista encabeçada por Hugo Chávez quer por ameaças e vulnerabilidades na Amazônia — o principal foco de atenção de defesa do país pela sua riqueza, natureza multidimensional econômicoecológica — quer por quaisquer razões que entrem no rol de ameaças à defesa do país, como será o caso do novo campo de petróleo Tupi”.
Para Francisco Carlos Teixeira, professor de História Contemporânea da UFRJ, o novo terrorismo internacional procura “janelas” de oportunidades, visando atingir o inimigo e seus desdobramentos vitais e/ou simbólicos, tais como bases militares, empresas, franquias, embaixadas, pessoal de cooperação etc. “Se for difícil atingir o inimigo no núcleo duro e blindado dos centros de poder, busca-se a periferia ‘mole’.
Veja, os atentados contra a Embaixada de Israel e a AMIA, em Buenos Aires, com centenas de mortos”.
Para ele, qualquer um que diga hoje que o terrorismo é uma ilusão no nosso país e continente “ou possui uma bola de cristal ou é mesmo irresponsável”.
Francisco Carlos acha que é preciso adotar “medidas básicas de prevenção”, entre elas o submarino nuclear.
Assim como o secretáriogeral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, um dos maiores críticos da assinatura do TNP, considera que, à medida que o país cresce de influência internacional, terá mais responsabilidades, inclusive a de defender os investimentos de empresas brasileiras no exterior, também o professor Francisco Carlos Teixeira acha que o terrorismo ou outros tipos de conflito podem atingir nossos cidadãos ou interesses em países bem mais conflitados, tais como Angola, Líbano, Bolívia.
Além disso, a crescente relevância da nossa região off-shore, a chamada Amazônia Azul, “implica clara responsabilidade de defesa de tamanha riqueza de gás, petróleo, pesca, medidas antipoluição e conservação do santuário do Atlântico Sul, entre outras”, ressalta.
Eliezer Rizzo, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas, acha que o projeto do submarino nuclear, que existe desde os anos 80 envolvendo a Marinha e a USP, “em boa hora foi aberto à sociedade e às universidades, ainda naquela década. Os resultados parecem relevantes, considerando que se trata de propulsão e não de armamento nuclear.
Portanto, o projeto deve ser concluído com recursos adequados e fluentes, definindose quantos submarinos terão estas características”.
Mas ele acha que o submarino nuclear deve atuar nas costas brasileiras, sem a missão de defender especificamente uma plataforma ou algo assim, “pois isto limitaria seu âmbito de atuação, que teria caráter estratégico, no sentido de que este instrumento de dissuasão se encontrará em permanente movimento em águas profundas”.
Outros setores da Marinha do Brasil garantiriam a segurança da produção de petróleo, pesca etc.
Como não se tratará de atitude agressiva com relação a qualquer Estado, para Rizzo “nada impedirá que o Brasil abra a países como Argentina e Chile, se houver interesse, alguma forma de participação em etapas futuras”. O mesmo poderá ocorrer com o Sivam e o programa aeroespacial, lembra ele, acrescentando: “Se temos cooperação com a China, porque não com vizinhos respeitados e democráticos?” Já Expedito Carlos Stephani Bastos, pesquisador de Assuntos Militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, acha que, ao invés de termos um submarino nuclear, “extremamente caro e complexo”, seria melhor termos “uma frota de vinte ou mais submarinos convencionais, modernos, fabricados localmente com tecnologia externa que fosse sendo agregada e absorvida, como foi feita em um passado recente”. Nesse caso, sim, teríamos, para o especialista, “uma frota com capacidade dissuasória em nossas águas territoriais, criando condições para mantermos itens e fluxos importantes e estratégicos ao país”.
Entrevista:O Estado inteligente
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