Estudo do Banco Mundial mostra
que o programa antitabaco empacou
e recomenda cigarro mais caro
Ronaldo Soares
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O programa brasileiro de combate ao cigarro colecionou uma série de avanços ao longo das últimas duas décadas. O país foi o primeiro no mundo a proibir, nas embalagens, o uso de palavras que poderiam levar o consumidor a uma falsa idéia de segurança. Eram termos como "light" e "baixos teores". Também se destacou por fazer constar nos maços fotografias pavorosas sobre os males do fumo à saúde. Foram os primeiros passos de uma campanha que teve no banimento da propaganda do tabaco seu ponto forte. Nos primeiros sete anos conseguiu reduzir o consumo per capita de cigarros em 33,6%. Com medidas e resultados assim, o programa, criado em 1987, deu ao país uma posição de liderança na luta contra o tabagismo. Mas as notícias agora já não são tão animadoras. Ao completar duas décadas, acaba de sair do forno a primeira grande avaliação sobre sua eficácia. Um estudo do Banco Mundial, ao qual VEJA teve acesso com exclusividade, concluiu que o programa empacou. Desde 1994 ele não produz nenhum impacto significativo. O consumo per capita naquele ano era de 1.220 unidades e hoje se encontra em 1 200 (ver quadro). Pior, nada indica que será reduzido. A estagnação é preocupante. O tabaco é responsável por 200 000 mortes por ano no Brasil. Para vencer essa guerra, serão necessárias armas mais poderosas. A estratégia sugerida pelo estudo é mirar diretamente o bolso dos fumantes.
O trabalho tem entre seus autores a epidemiologista Vera Luíza da Costa e Silva, uma das maiores especialistas do mundo no controle do tabagismo, e o economista Roberto Iglesias, consultor do Banco Mundial. "O modelo atual do programa pode ter atingido um ponto de saturação", diz Vera Luíza. O que eles recomendam agora é a elevação do preço do cigarro, através do aumento das alíquotas de imposto. Nos anos 90, o maço de cigarros populares custava, em média, 2,45 reais. Hoje está em torno de 2,27 reais. Os pesquisadores perceberam que a queda do preço se deu em razão da redução do peso do imposto sobre produtos industrializados (IPI) no preço do cigarro. Nos anos 90, ele representava 41% do preço final do maço. Atualmente, equivale a 20%. "É um paradoxo. Um país que aumenta sua carga tributária reduz o peso do IPI justamente num produto que causa tantos males à sociedade", diz Roberto Iglesias. A estratégia de preços já foi testada com sucesso em outros países. Na década de 90, o Reino Unido aumentou em mais de 50% o preço médio do cigarro popular. Com isso, reduziu o consumo na mesma proporção. O estudo, que será apresentado nesta semana num congresso internacional promovido pelo Instituto Nacional de Câncer, mostra que o Brasil tem um dos preços mais baixos no segmento de cigarros populares na América Latina.
O combate ao tabagismo tem idas e vindas. Os governos lutam contra as fabulosas verbas de marketing da indústria e a dependência química causada pela nicotina tragada com a fumaça. Nos últimos anos, o que se viu no Brasil foi uma guerra de guerrilha. A cada ação do governo correspondeu uma reação do setor. Um jogo de xadrez no qual a restrição de uma forma de propaganda levava as empresas a buscar novos caminhos, cada vez mais inventivos. A redução de preços fez parte desse arsenal. O estudo do Banco Mundial mostra que é hora de o governo descer os tanques. Nos planos do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, há pelo menos três ações programadas. Ele defende o aumento do preço, sim, mas para a formação de um fundo que financiaria as despesas do sistema de saúde com as doenças decorrentes do tabagismo. Quer também ampliar o atendimento aos dependentes de nicotina. Além disso, tentará proibir totalmente o consumo em lugares públicos, em um projeto que será apresentado ao presidente Lula nas próximas semanas. Diz o ministro: "O desafio é endurecer a estratégia atual. Temos de virar o jogo".