Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 25, 2007

Quem ganhou com as privatizações

Paulo Renato Souza


As privatizações realizadas na década de 1990 no Brasil abrangeram vários setores: a siderurgia, a produção de aviões, a mineração, a infra-estrutura de transporte, o sistema financeiro e as telecomunicações. Constituem um caso emblemático de sucesso. Em muitos deles, o governo se desonerou de encargos importantes em atividades deficitárias ou que necessitavam de aportes financeiros do Tesouro para investir; em outros, arrecadou somas importantes indispensáveis para o equilíbrio das contas públicas, melhorou a eficiência da gestão de setores estratégicos, aumentou a oferta de serviços à população ou promoveu a expansão da produção e das exportações. Depois de cinco anos de um governo que, à época, foi muito crítico desse processo, não se produziu nenhuma evidência de que ele tenha sido nocivo para o País ou que irregularidades significativas tenham sido cometidas.

Nova polêmica surgiu recentemente a propósito do desempenho da Vale do Rio Doce desde a sua privatização, em 1997. Argumentou-se que a empresa estaria voltada para seu crescimento em escala mundial, em detrimento de investimentos no País que viessem a beneficiar a economia local e a geração de empregos. Segundo a imprensa, essa preocupação teria sido expressada pelo próprio presidente Lula. Se válido, esse seria um argumento importante a favor dos críticos do processo de privatização desenvolvido no governo FHC. Nesse caso, apesar de estarem em mãos nacionais, as empresas privatizadas tenderiam a olhar apenas o benefício para seus acionistas, e não os do País.

A análise do caso da Vale é singular por várias razões, que a fazem emblemática do processo de privatização. Desde logo, porque ela cumpriu um papel estratégico para o País, enquanto empresa estatal. De forma alguma se tratava de um peso morto ou oneroso para o Estado brasileiro que devesse ser privatizado para diminuir o déficit público. Por outro lado, ela havia realizado investimentos de longa maturação que dificilmente teriam sido feitos pelo setor privado, como a montagem da operação em Carajás, no Estado do Pará.

Em artigo publicado anteriormente neste mesmo espaço, mostrei que a Vale depois da privatização produz mais, exporta mais, gera mais empregos e paga mais impostos do que no seu tempo de empresa estatal. Mostrei também que nesse período ela cresceu mais do que as demais mineradoras do mundo e que sua congênere estatal, a Petrobrás. Além disso, demonstrei que o preço pago pela companhia na ocasião da privatização correspondia efetivamente a seu valor de mercado.

É verdade que o valor da empresa se multiplicou, gerando enormes benefícios para seus acionistas. É também verdade que a Vale se transformou numa empresa global, adquirindo empresas não apenas no Brasil, mas também em outros países. Isso não é mau para o País; ao contrário, fortalece uma empresa nacional, permitindo-lhe gerar mais riqueza, crescimento e empregos no País. Hoje, 84% dos empregos da Vale estão no Brasil e as compras de insumos e equipamentos no País cresceram 127% nos últimos quatro anos, destacando-se o estímulo ao renascimento da indústria nacional de vagões.

Nos próximos cinco anos a Vale vai investir US$ 59 bilhões, sendo 77% no Brasil e 23% no exterior. Apenas o Pará receberá 34% do total, gerando mais 68 mil empregos no Estado. Um ponto importante, e muitas vezes esquecido, se refere à aquisição de empresas estrangeiras situadas no Brasil. A Vale privada investiu US$ 2,5 bilhões para comprar o controle de ativos estratégicos, nacionalizando empresas originárias de sete diferentes países nas áreas de minério de ferro, cobre, níquel e alumínio.

Críticos tacanhos argumentam que a Vale produz para exportação, e não para o mercado interno. Isso se deve ao lento crescimento da produção de aço no Brasil: apenas 3% ao ano desde 1980, ante 10% ao ano na China, o que está relacionado ao ritmo de expansão de nossa economia. Entretanto, para estimular a produção de aço no País e aumentar o valor agregado de nossas exportações, nos últimos anos a empresa atraiu para o Brasil US$ 17,3 bilhões em novos projetos siderúrgicos, cerca de quatro vezes mais que os de todos os demais grupos nacionais do setor. Em face da escassez de energia, que lhe impõe limites para maiores investimentos, a Vale transformou-se na maior investidora privada em energia do País. Foram US$ 600 milhões na construção de sete hidrelétricas, que geram 3.109 megawatts (MW) e representam 1,3% da geração nacional.

Os dados demonstram que são infundadas as preocupações em relação aos benefícios das privatizações para o País: a empresa que mais cresceu vem investindo muito mais Brasil do que no exterior. Isso não quer dizer que a privatização seja uma panacéia a ser aplicada a todas as estatais. Ao contrário, as situações precisam ser analisadas de forma individualizada. No caso em tela, após um longo período de maturação, o aproveitamento para o País de todo o potencial da companhia dependia de uma gestão independente das amarras e da burocracia estatais, com um foco claro no seu negócio, no crescimento das vendas, no controle de custos e na eficiência de gestão. Era tempo de privatizá-la em nome do interesse nacional. O governo de então teve a visão, a coragem e a determinação para fazê-lo.

É oportuno relembrar tudo isso quando observamos os esforços de segmentos importantes do atual governo no sentido de promover a reestatização de vários segmentos da economia. O interesse nacional seria seriamente danificado se essas iniciativas prosperassem.

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