Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 30, 2007

Dora Kramer - Fora da agenda




O Estado de S. Paulo
30/11/2007

O Palácio do Planalto vem se especializando na prática de deixar o dito pelo não dito sem se sentir na obrigação de oferecer ao público uma explicação convincente sobre seus atos.

Na quinta-feira o ministro da Defesa, Nelson Jobim, apresentou-se na hora e dia marcados para mostrar ao presidente Lula o plano para evitar atrasos nos vôos e caos nos aeroportos no fim de ano.

Depois de um chá de cadeira de uma hora, o encontro foi cancelado porque o presidente precisava receber o grão-duque Henri de Luxemburgo e a agenda não lhe permitiria, ao longo do dia, dedicar mais que meia hora ao ministro da Defesa e seu plano de ação.

A agenda do presidente na quinta-feira estava assim organizada: 9h, despacho interno; meia hora depois, reunião com o general Jorge Félix, chefe do gabinete de segurança institucional, a quem dedicaria 15 minutos para então receber o advogado-geral da União, José Toffoli, por 45 minutos.

Às 10h30 seria a vez de Jobim. Ao meio-dia, o grão-duque e, na volta do almoço no Itamaraty, às 15h, reunião com Stephen Green, presidente mundial do grupo HSBC.

Às 16h30, despacho interno. Quatro horas e meia depois, entrevistas para televisão no Palácio da Alvorada e nada mais. Como se vê, o dia não estava exatamente feérico em termos de agenda.

O adiamento das medidas está mal explicado. Se o plano estava pronto e tempo havia quando se marcou a apresentação, fica a impressão de que para o presidente da República a crise no setor aéreo, a agressão ao cidadão solapado em seu direito de consumidor continua sendo assunto menor, relevante e urgente apenas quando ocorrem tragédias que lhe possam render prejuízos à imagem.

Ou, então, esse plano anunciado por Jobim não traz novidade alguma, não resolve nada, não passa de simulação de providências e, portanto, não faz diferença que seja anunciado agora ou daqui a 20 dias conforme ficou combinado.

Enquanto isso, as companhias fazem o que bem entendem com os passageiros. Foram autorizadas a para estender de 15 para 60 minutos o tempo considerado como atraso na alteração do horário de pousos ou decolagens.

No geral, entretanto, ocorre o seguinte: o horário previsto no quadro de avisos, que antes era o da decolagem, agora é o da chamada para o embarque. Uma hora, portanto, são, na verdade, duas. Isso quando não há espera dentro do avião ou troca de aeronave.

Nesses casos, a tripulação se desculpa “pelo transtorno”, diz que o passageiro tem toda razão de não gostar e fica assim tudo por isso mesmo.

Já a cobrança de taxas por causa de cancelamentos e alterações de viagens por parte do passageiro obedece rigidamente ao regulamento.

É uma relação desigual em que empresas quebram sistematicamente seus contratos com o cliente, não são obrigadas a cumprir nenhuma contrapartida - pois não há previsão nem fiscalização a respeito - e ao comprador resta o consolo de saber que o ocupante da poltrona ao lado tem sempre uma experiência pior para contar.

O usuário de avião hoje é feito de bobo, mas o governo, a quem caberia organizar o funcionamento do sistema e zelar pela preservação de normas contratuais, não perde tempo com isso, ocupado que está em desperdiçá-lo fazendo marola.

Roda-pião

O PSDB abriu alas e agora só falta o governo pedir passagem. Na sessão plenária de anteontem no Senado, o líder Arthur Virgílio afirmou, em resposta a uma veemente cobrança de Aloizio Mercadante, que estava disposto a negociar a CPMF se o governo se comprometesse com um “duro” programa de corte de gastos.

Ontem, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, informou que só espera “um gesto” para retomar o diálogo interrompido semanas atrás, nem o PSDB conseguiu dizer exatamente por quê.

Um grupo disse que a proposta de compensações era insatisfatória; outro - Arthur Virgílio incluído - alegou que o voto contra seria eleitoral e politicamente mais condizente com o projeto oposicionista do partido: sem a CPMF agora, o presidente Lula se obrigaria a fazer o ajuste nos gastos e entregar o país mais enxuto ao sucessor.

E o que houve de lá para cá para justificar tal mudança de posições? Do ponto de vista do mérito da discussão, nada, a não ser a quebra da promessa de Lula de enviar ao Congresso a proposta de reforma tributária.

Já sob a ótica política, houve fato novo. Lula saiu a campo e os tucanos tremeram nas pernas quando o presidente mostrou os punhos. Atacou o Democratas e afagou o PSDB. Mas não fez proposta alguma de conhecimento público.

Os tucanos têm todo o direito (até mesmo o dever) de negociar, ponderar o oferecido e, se for o caso, votar a favor.

Têm todo o direito também de mudar de posição. Só não podem é esperar que, com esse vaivém referido no temor da popularidade de Lula, o eleitor acredite naquela conversa da semana passada sobre rumo, firmeza e atitude.


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