A guerra contra a água mineral
O novo vilão dos ambientalistas não é
o líquido, mas o plástico das embalagens
Rafael Corrêa e Vanessa Vieira
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A água mineral é hoje associada ao estilo de vida saudável e ao bem-estar. As garrafinhas de água mineral já se tornaram acessório dos esportistas, e, em casa, muita gente nem pensa em tomar o líquido que sai da torneira – compra água em garrafas ou galões. Nos últimos dez anos, em todo o planeta, o consumo de água mineral cresceu 145% – e passou a ocupar um lugar de destaque nas preocupações de muitos ambientalistas. O foco não está exatamente na água, mas na embalagem. A fabricação das garrafas plásticas usadas pela maioria das marcas é um processo industrial que provoca grande quantidade de gases que agravam o efeito estufa. Ao serem descartadas, elas produzem montanhas de lixo que nem sempre é reciclado. Muitas entidades ambientalistas têm promovido campanhas de conscientização para esclarecer que, nas cidades em que a água canalizada é bem tratada, o líquido que sai das torneiras em nada se diferencia da água em garrafas. Organizações européias e americanas até estimulam as pessoas a escrever a seus restaurantes favoritos pedindo que suspendam a venda de água mineral e, dessa forma, contribuam com a preservação do planeta.
As campanhas têm dado resultado nos lugares onde a preocupação ambiental já ganhou a adesão das multidões e os moradores confiam na água encanada. A partir do próximo sábado, os órgãos públicos de São Francisco, nos Estados Unidos, estarão proibidos de comprar água mineral para seus funcionários. Outras grandes cidades americanas, como Los Angeles e Salt Lake City, já adotaram a mesma medida. Apenas nos Estados Unidos, os processos de fabricação e reciclagem das garrafas plásticas consumiram 17 milhões de barris de petróleo em 2006. Esses processos produziram estimados 2,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa, poluição equivalente à de 455.000 carros rodando normalmente durante um ano. O dano é multiplicado por três quando se consideram as emissões provocadas pelo transporte e refrigeração das garrafas.
O problema comprovado e imediato causado pelas embalagens de água é o espaço que elas ocupam ao ser descartadas. Só no Brasil, que recicla menos da metade das garrafas PET que produz, mais de 4 bilhões delas viram lixo todos os anos. Como demoram pelo menos 100 anos para se degradar, elas fazem com que o volume de lixo no planeta cresça exponencialmente. Quando não vão para aterros sanitários, os recipientes abandonados entopem bueiros nas cidades, sujam rios e acumulam água que pode ser foco de doenças, como a dengue. A maioria dos ambientalistas reconhece, evidentemente, que no Terceiro Mundo, com vastas regiões nas quais não é recomendável consumir água diretamente da torneira, quem tem poder aquisitivo para comprar água mineral precisa fazê-lo por uma questão de segurança. De acordo com um relatório da ONU divulgado recentemente, 170 crianças morrem por hora no planeta devido a doenças decorrentes do consumo de água imprópria.
Um estudo apresentado neste ano na Royal Geographical Society, na Inglaterra, chamou atenção para o fato de que a contaminação da água potável por arsênio em inúmeros países, principalmente na Ásia e na África, poderá aumentar consideravelmente os casos de câncer nos próximos anos. Mesmo assim, ao comprar água mineral nesses países, não se tem segurança de estar consumindo um produto saudável. Estima-se que quase metade da água vendida como mineral em Pequim seja de má qualidade. A questão é tão grave que o governo chinês elaborou um plano para reforçar o controle de procedência das garrafas de água por meio de etiquetas eletrônicas durante as Olimpíadas de Pequim, no ano que vem. Espera, dessa forma, impedir a circulação de produtos adulterados.
No Brasil, o termo água mineral acabou se tornando referência para designar diferentes tipos de água engarrafada. A rigor, a expressão identifica a água proveniente de nascentes ou aqüíferos subterrâneos e que contém minerais como cálcio, potássio e sulfato de sódio. Cada água, dependendo de sua composição mineral, pode ter um sabor característico. A água mineral também pode ser produzida artificialmente por meio da adição de sais ou gases à água tratada. Nesse caso, é chamada de água adicionada de sais. Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde as minerais representam quase a totalidade do mercado, a maior parte do mundo consome outro tipo de água engarrafada: a purificada. Ela é a água da torneira submetida a processos de filtragem e tratamentos químicos que variam conforme cada fabricante. As marcas mais vendidas estão nas mãos de apenas quatro grandes empresas: Nestlé, Danone, Coca-Cola e PepsiCo, em ordem de porcentual de participação. O restante do mercado mundial é formado pelas águas purificadas e fortificadas por vitaminas, estimulantes naturais, como a cafeína, e extratos de ervas com propriedades terapêuticas. Segundo os médicos, a quantidade de minerais contida tanto nas águas de nascentes e aqüíferos quanto nas purificadas é muito pequena para torná-las mais saudáveis do que a água da torneira. Diz o fisiologista Paulo Zogaib, professor de medicina esportiva da Universidade Federal de São Paulo: "Não há pesquisas científicas que comprovem que essas águas são melhores para a saúde. O importante é manter o corpo hidratado com água de procedência segura".
A crença nos benefícios da água mineral remonta à Antiguidade, quando se disseminou o costume de beber água de fontes consideradas terapêuticas ou utilizá-la em banhos especiais. Dizia Píndaro, poeta grego que viveu no século V antes de Cristo: "O mais nobre dos elementos da natureza é a água". No século XIII, as águas de San Pellegrino, região próxima a Milão, na Itália, e de Fiuggi, ao sul de Roma, já eram consideradas milagrosas para tratar uma série de males. Michelangelo foi a Fiuggi para se tratar de pedras nos rins. No século XIX, as visitas periódicas a estâncias hidrominerais, inspiradas nas antigas termas romanas, tornaram-se um hábito bastante difundido. No verão, Vichy, na França, costumava receber Napoleão III e sua corte, além de outros 300.000 visitantes que acreditavam nos benefícios da água local. Nesse período, as águas de algumas dessas estâncias já eram engarrafadas e vendidas. O vidro das garrafas, no entanto, dificultava o transporte, além de encarecer o produto. A partir do século XIX, o advento das rodovias e da industrialização facilitou o comércio e permitiu que a venda de águas se tornasse um negócio lucrativo. Hoje, com o culto à saúde na ordem do dia, a mística em torno das águas minerais se mantém. Para desgosto dos ambientalistas.
O apelo exótico da selva
Num mundo em que as roupas e os acessórios servem para demonstrar a que tribo se pertence, não basta tomar água mineral – é preciso escolher a marca certa. Os famosos de Hollywood já elegeram a sua: Bling, cuja garrafa esbranquiçada – de vidro, naturalmente – leva aplicações de cristal e custa a bagatela de 50 dólares. Entre os simples mortais, um critério freqüente para escolher a mineral que combine com a própria personalidade é a origem do produto. Quanto mais exótica, melhor. A Fiji é extraída de um aqüífero formado numa antiga cratera vulcânica na Ilha de Viti Levu, no Arquipélago Fiji. A Ty Nant vem do País de Gales, aquela charmosa parte da Grã-Bretanha que há séculos tem aspirações separatistas – o que tem seu charme numa Europa Ocidental de fronteiras já bem delimitadas. Um dos lançamentos mais aguardados dos últimos tempos entre as águas de luxo é a Equa. Ela é extraída de uma fonte no coração da Floresta Amazônica brasileira. Sua história começa com o americano Jeff Moat, que trabalhou durante quinze anos em Manaus, onde tinha uma firma de exportação de pescados. Dois anos atrás, de volta ao Brasil, ele teve a idéia de analisar amostras das águas amazônicas. "As análises feitas em laboratórios americanos da fonte da Equa mostram que essa é a água mineral mais pura do mundo", exagera Moat. A Equa chegará ao mercado americano em abril do ano que vem, ao custo de 8 dólares a embalagem de 750 mililitros. O lançamento no Brasil está previsto para maio de 2009. Assim como ocorreu com as águas engarrafadas tradicionais, o mercado das águas de luxo cresceu nos últimos anos. "O preço mais elevado desses produtos faz com que, apesar do número pequeno de consumidores, o setor movimente uma quantia significativa", disse a VEJA Gary Hemphill, diretor da consultoria americana Beverage Marketing, especializada em bebidas. Com a multiplicação das águas minerais chiques, já surgiram até especialistas em degustá-las – os sommeliers do H2O, presentes em alguns restaurantes americanos de luxo. "A água mineral será amanhã o que hoje é o vinho", diz Michael Mascha, fundador de um site dedicado a avaliar águas minerais de todo o planeta. Paula Neiva
Fotos divulgação e PRNews |
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