As grandes lojas do país aderem ao
ritmo fast-fashion: adaptar, vender
e renovar em tempo recorde
Sandra Brasil
Chris Moore/Getty Images | |
A aventura do tomara-que-caia |
As lojas de roupas populares entraram na moda, e com apetite voraz. Primeiro, na Europa, onde a espanhola Zara, a sueca H&M e a inglesa Topshop revolucionaram o setor ao adotar o sistema de fast-fashion – produção rápida e contínua de novidades, atendendo assim a um anseio de consumo que gerou para essas grandes redes, no último ano fiscal, um faturamento de 24 bilhões de dólares. No Brasil, gigantes do varejo como C&A, Renner, Riachuelo, Marisa e Hering correm para entrar no mesmo ritmo acelerado. A moda rápida, ou fast-fashion, termo criado por analogia com fast-food, requer agilidade, conhecimento do mercado e estoques mais enxutos que as modelos de passarela. Nesse tripé se apóia um sistema de produção capaz de identificar, adaptar, fabricar e distribuir a preços acessíveis roupas, sapatos e bolsas que, provenientes da criatividade de estilistas renomados ou da exposição em pessoas famosas, entram na moda. Ganha dinheiro quem puser na loja hoje a peça anônima que a cliente viu ontem na novela ou a roupa de grife que apareceu na revista de moda.
Para dar certo, o sistema requer coleções compactas, modelos novos o tempo todo e olho vivo tanto para remover das araras o que não vende quanto para repor o estoque do que vende mais do que o previsto. O segredo, nada misterioso, é conquistar a consumidora com peças que não desequilibram o orçamento e, esgotada a novidade, podem ser descartadas sem dor na consciência. "Sempre que venho aqui vejo uma coisa nova, bonita, fashion e que não custa caro. É difícil sair sem nada", resume a gerente de banco Priscila Marques, 30 anos, ao sair, sacola na mão, de uma loja da Zara em São Paulo, onde bate ponto "pelo menos uma vez por semana". O primeiro e crucial passo nesse sistema é identificar o que vai "pegar" e providenciar uma boa adaptação. "No mundo inteiro funciona assim – um olha o que o outro faz. Até Di Cavalcanti se inspirou em Picasso", compara Anderson Birman, dono da Arezzo, que investe 12 milhões de reais por ano em pesquisa e desenvolvimento e coloca pelo menos vinte sapatos e bolsas novos toda semana em seus 203 pontos-de-venda. No Brasil, esse papel de olheiro da moda é desempenhado por consultores contratados ou por equipes montadas pela própria rede de lojas, grupos de jovens que pesquisam na internet, lêem tudo sobre o assunto e, no caso dos mais afortunados, viajam para ver lojas e desfiles no exterior. Essa colheita, que não pára nunca, rende dois tipos de roupas e acessórios fast-fashion. Um é planejado: coleções regulares montadas com base em desfiles e tendências – é dessa forma que um vestido tomara-que-caia com cinto largo da Gucci ou um longo listado da DKNY, programados para chegar às respectivas lojas no verão do Hemisfério Norte, estarão, devidamente adaptados (tradução: barateados), prontinhos para ser vendidos na Riachuelo, Marisa ou Renner quando o tempo esquentar aqui. O outro é de reação rápida: uma peça mostrada em novela que cai no gosto das consumidoras estará na loja em questão de semanas, e com igual rapidez será removida quando cansar. "O sistema fast-fashion prefere subestimar o estoque. A falta é melhor que a sobra. Na loja, é fundamental acompanhar as vendas para identificar rapidamente o que não está saindo e colocar logo em promoção", diz o italiano Gabriele Zuccarelli, da consultoria de negócios Bain & Company. Em média, itens não programados levam de quatro a seis semanas para chegar às lojas, e coleções, de seis a nove meses.
As mudanças no mercado demandam fôlego. A rede de lojas Marisa, 59 anos de vida, ponto forte primeiro nas roupas íntimas e depois na modinha, está passando por uma revolução. "Hoje, modelos novos chegam todos os dias às nossas 180 lojas", diz o diretor de compras, Rene Silva. A Hering, fundada há 127 anos, resolveu no ano passado substituir suas quatro coleções anuais, ancoradas em modelos básicos, por seis, mais modernas. A Riachuelo, que tem 92 lojas e começou a investir em fast-fashion em 2006, lança três coleções por ano e reserva 10% do espaço em suas araras para peças do tipo "gostou, nós fazemos". "É a cerejinha no bolo, que atrai as clientes para a loja. O consumidor está menos fiel e sempre quer novidades", analisa Flavio Rocha, vice-presidente do grupo Guararapes, dono da Riachuelo. Pesquisa interna mostra que, dos 13 milhões de clientes da rede, 80% têm renda abaixo de 1.000 reais – o que não afeta em nada seu interesse por roupas antenadas. "Usar o que está na moda faz com que a mulher se sinta bem, incluída socialmente", diz Renato Shibukawa, coordenador do núcleo de moda.
Aqui, a bolsa é mais cara |
Mais tarimbada, a Renner, que mantém trinta estilistas de olho nas tendências desde 2002, ficou craque em detectar campeões de venda na televisão. Quando os vestidões de Vitória (Cláudia Abreu) na novela Belíssima começaram a chamar atenção, criou cinco modelos, que, em pouco mais de um mês, estavam à venda nas lojas da rede. Na época de América, apostou na lingerie sensual de Creuza (Juliana Paes) e encheu as prateleiras de sutiãs, corpetes e calcinhas de renda. Para as tendências internacionais, a Renner contrata uma consultoria independente, que indica os modelos que mais provavelmente passarão dos desfiles das grifes para as ruas. Barbara Kennington, diretora editorial do site WGSN, que antecipa tendências da moda no mundo (assinatura: 24.500 dólares por ano) e é a bíblia do fast-fashion, justifica assim esse processo de transição: "São marcas que usam influências de estilistas caros para criar uma versão mais democrática, a qual mais mulheres poderão desfrutar". A cópia assumida, no entanto, vem sendo contestada na Justiça, em especial na Inglaterra, onde começa a surgir jurisprudência numa área complicada – em geral, só se considera imitação o produto que põe, falsamente, o nome da marca mais famosa.
A Shoestock, grife de bolsas e sapatos de São Paulo, democratiza sem vacilar: exibe nas lojas fotos dos originais que inspiraram seus cinco estilistas. Além das seis coleções anuais, outros vinte modelos "imprevistos" são lançados toda semana. Desde 2004, 60% das bolsas e sapatos da marca têm grande ou média semelhança com grifes como Prada, Gucci e Givenchy. Podem acontecer até casos de réplicas mais caras que o original, como o da popularíssima bolsa de matelassê criada originalmente pelo americano Marc Jacobs. "O tempo entre o desenvolvimento do modelo e a chegada à loja é normalmente de trinta dias. Os produtos que fazem muito sucesso acabam em uma semana", diz seu diretor de marketing, Daniel Zanco. Um exemplo de rapidez, mas evidentemente nada que se compare à agilidade da rede espanhola Zara, pioneira e até hoje campeã do sistema de moda rápida. Com 1 100 lojas em 68 países, vinte delas no Brasil, o grupo Inditex, proprietário da Zara, mantém na Espanha um departamento de criação com 200 pessoas encarregadas de reagir rapidamente diante de qualquer novidade. No ano passado, desenvolveu mais de 30.000 modelos. O tempo médio entre criação e entrega nos pontos-de-venda é de um mês. Rui Souza, diretor de exportação da Dudalina, fábrica brasileira que fornece camisas masculinas à Zara, exemplifica o processo com uma experiência pessoal: "Um estilista da marca foi à Turquia, gostou do acabamento de um guardanapo de linho, fotografou pelo celular, enviou e pediu que o reproduzíssemos numa camisa. Em dois dias, os pilotos estavam na Espanha. Em um mês e meio, as camisas com o mesmo acabamento foram colocadas à venda na Europa". Moda a jato é isso.
Andrew Matusik/Getty Images | Lailson Santos |
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