Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 24, 2007

Projeto liquida com o cargo de suplentes

Brasil
O fim do senador sem voto

Projeto impede senadores de ocupar outros
cargos e acaba com a farra dos suplentes


Diego Escosteguy


Demostenes Torres, autor da proposta: "estelionato eleitoral"


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Quadro: A bancada das reservas

João Tenório é usineiro de Alagoas. Adelmir Santana é dono de uma rede de farmácias em Brasília. João Pedro é funcionário do Incra em Manaus. Desde o começo do ano, os três também são senadores da República. Ganham 16.000 reais por mês, desfilam pelas ruas de Brasília em carro de luxo com motorista e, sem um mísero voto, representam seus estados na mais nobre instância do Parlamento brasileiro. Eles são suplentes, e assumiram a vaga porque os titulares preferiram tomar outros caminhos, como comandar governos estaduais ou ministérios em Brasília. Foram escolhidos como substitutos eventuais pelos senadores titulares na base da camaradagem ou de acordos políticos, sem a exigência de nenhum critério objetivo – ao contrário da Câmara, onde os suplentes saem da lista de candidatos mais votados. Hoje, essa bancada de reservas ocupa treze das 81 cadeiras do Senado, representando uma das maiores anomalias da democracia brasileira. Na semana passada, na tentativa de pôr fim a essa aberração, o senador Demostenes Torres, do DEM de Goiás, enviou um projeto à Comissão de Constituição e Justiça que prevê a extinção do senador suplente.

"A figura do suplente, como está hoje, tornou-se um estelionato eleitoral", afirma Demostenes. "Eles não têm voto nem representatividade para ocupar o cargo." O projeto acaba com a possibilidade de os senadores se licenciarem para assumir postos no governo ou de concorrerem a outro cargo – o que, nos últimos anos, se transformou em rotina no Congresso. Dos treze titulares que se ausentaram do Senado, seis se elegeram governador, vice-governador ou prefeito e três foram nomeados ministros. Pela proposta de Demostenes Torres, esses senadores seriam obrigados a renunciar e novas eleições seriam realizadas. No caso de morte ou cassação, também se organizaria um novo pleito. O senador suplente, o segundo mais bem colocado na eleição, será convocado apenas se o titular deixar o cargo a menos de um ano do fim do mandato. O projeto, se aprovado, aproximaria o Brasil das democracias mais avançadas. Nos Estados Unidos, não há suplente de senador. Em caso de morte ou renúncia, são convocadas novas eleições ou o governador indica alguém, cujo nome terá de ser chancelado pela Assembléia estadual. É uma solução semelhante à adotada pela França e pela Argentina. "Os suplentes sem voto são uma excrescência da nossa tradição política patrimonialista e arcaica, que privilegia os amigos e apaniguados", diz o professor Rubens Figueiredo, cientista político da Consultoria -Cepac, de São Paulo.

O projeto ainda tem um longo caminho a percorrer. As regras para a diplomação dos suplentes estão previstas na Constituição. Para alterá-las, é preciso apoio de três quintos do Congresso. O problema é que a maioria dos senadores não quer abrir mão do direito de indicar substitutos que lhe sejam convenientes. Hoje, como não existe nenhum critério, a escolha se dá por interesses políticos e, principalmente, pessoais. Dessa forma, os suplentes são recrutados entre financiadores de campanha, parentes, amigos ou afilhados políticos dos titulares. O senador Antonio Carlos Júnior, do DEM da Bahia, por exemplo, herdou o cargo do pai, morto recentemente. O senador Euclydes Mello é primo de Fernando Collor de Mello, que se licenciou por quatro meses para tratar de assuntos pessoais. Os suplentes, por isso, sempre foram considerados como figuras de menor importância no dia-a dia do Senado, seja pela inexpressividade eleitoral, seja pela inexperiência política. Essa percepção, porém, mudou com o escândalo envolvendo o senador Renan Calheiros. O caso transformou os reservas em estrelas do Parlamento – e por razões pouco nobres.

O PT e o PMDB, os dois maiores partidos do Congresso, decidiram salvar o mandato de Renan Calheiros – acusado de uma infinidade de crimes. Como o tema é desgastante e impopular, os dois partidos escalaram seus suplentes como vassalos do trabalho sujo. Sem terem de prestar contas aos eleitores, os reservas não recusaram a tarefa. O primeiro a aceitar foi o ex-coveiro Sibá Machado, do PT do Acre, suplente de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente. Ele topou presidir o Conselho de Ética com a missão de enterrar o processo no qual Renan era acusado de ter contas pessoais pagas por um lobista. O PMDB, por sua vez, escalou o empresário Wellington Salgado, suplente do ministro das Comunicações, Hélio Costa, como uma espécie de cão de guarda de Renan Calheiros. Os dois, embora atrapalhados, acabaram desempenhando bem seu papel. Calheiros foi absolvido da acusação. "Acho que eu tinha um talento adormecido para ser senador", diz o suplente Wellington Salgado. Há outros exemplos de talento adormecido. O suplente Euclydes Mello, o primo de Collor, está há apenas três meses no cargo mas já apresentou um projeto importantíssimo: ele quer transferir provisoriamente a capital do Brasil para o município de Marechal Deodoro, em Alagoas. Enquanto isso não acontece, o reserva viajou para Nova York, acompanhado da mulher, onde representou o Senado na Assembléia-Geral da ONU.





Fotos José Cruz/ABR, Célio Azevedo/Ag. Senado, Imapress, Antonio Cruz/ABR, Roosewelt Pinheiro/Ag. Senado, Lucivaldo Sena/Interfoto/AE, Geraldo Magela/Ag. Senado, André Coelho/Ag. O Gobo, Breno Fortes/CB, Paulo de Araújo/CB, Orlando Brito/ObritoNews
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