"A revolução bolivariana transformou a Venezuela numa potência mundial", afirmou num comício, na quarta-feira. "Hoje, do que ocorre na Venezuela depende a salvação do mundo." Depois disso, foi café pequeno dizer que, "se não fosse a revolução bolivariana, a Opep estaria liquidada" - gabando-se de ter levado o preço do barril de petróleo a US$ 100.
Ficasse apenas nisso, Hugo Chávez seria apenas um problema que, mais cedo ou mais tarde, os venezuelanos teriam de resolver. Mas o coronel golpista, em seus delírios, acha que é o centro do universo - e se comporta como tal. Interfere abertamente nos assuntos internos da Bolívia, Equador e Nicarágua - e só não faz o mesmo no Peru e no México porque os presidentes Alan Garcia e Felipe Calderón rechaçaram energicamente suas intromissões. Usa o dinheiro do petróleo para ter ascendência sobre países e governos - como na Argentina. Quer entrar no Mercosul para mudar a sua estrutura, adaptando-a ao seu anticapitalismo. Agora, comunica à Comunidade Andina de Nações que voltará ao bloco se ele se sujeitar às condições do "socialismo bolivariano".
Em resumo, não respeita nada e ninguém - mas há muito método em sua loucura. E às vezes encontra pela frente quem lhe imponha limites intransponíveis.
É o que acaba de fazer o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia. Há cerca de três meses, numa iniciativa surpreendente, o governo colombiano aceitou a mediação do coronel Hugo Chávez na tentativa de trocar militares, políticos e estrangeiros seqüestrados pelas Farc por guerrilheiros presos. Acreditava-se, à época, que o bom relacionamento de Chávez com membros da direção das Farc facilitaria as negociações, que estavam emperradas.
Na quarta-feira à noite, o presidente Álvaro Uribe dispensou, de forma seca, mas protocolarmente correta, os serviços de Chávez. O caudilho abusara da confiança nele depositada pelo governo colombiano, tomando iniciativas que solapavam a autoridade do presidente Uribe e comprometiam a sua política de "segurança democrática" - que tem dado bons resultados na luta contra a narcoguerrilha.
Nos termos acertados por Uribe e Chávez, três meses atrás, o mediador somente teria contatos com o presidente colombiano. Mas Hugo Chávez não respeitou o acordo e tratou diretamente com o procurador-geral da Colômbia, com a Igreja e com organizações da sociedade civil.
Durante a Cúpula Ibero-Americana, em Santiago, Chávez perguntou a Uribe se poderia entrar em contato com o general Mario Montoya, comandante do Exército colombiano, e a resposta foi que isso não era conveniente.
De Santiago, Hugo Chávez seguiu para Paris. Como não tinha avanços a relatar ao presidente Nicolas Sarkozy, interessado na libertação de Ingrid Betancourt - nem ao menos sabia se os seqüestrados cuja libertação estava negociando estão vivos -, o caudilho resolveu impressionar o presidente francês, revelando que teria um encontro com o líder das Farc, Manuel Marulanda, do qual também participaria o presidente Álvaro Uribe.
A reação de Uribe foi imediata. Esclareceu que autorizara uma eventual reunião de Chávez com Marulanda, mas que dela não participaria, censurou o caudilho por revelar algo acertado em segredo e deu ao mediador prazo até o final de dezembro para completar sua tarefa.
No dia seguinte, o impenitente Hugo Chávez ligou diretamente para o general Montoya para saber da situação dos seqüestrados. Foi o que bastou para que Uribe dispensasse os ofícios de Hugo Chávez. Que, aliás, já estava dizendo em praça pública que "a Colômbia e a Venezuela somos uma só pátria".