Mas institutos de pesquisa, economistas e acadêmicos vêm mantendo lucidez ao analisar os números oficiais sobre a saúde da economia americana. Há risco de recessão - a maioria fala em 50% - , mas, por enquanto, a economia vem resistindo bem, com o emprego aumentando e o consumo interno menos afetado pela crise imobiliária. Na verdade, eles temem mais os efeitos de um petróleo a US$ 100 no consumo do que a própria crise, que, por enquanto, se restringe ao segmento de imóveis e financeiro, mas não afeta a demanda interna.
A economia vem resistindo bem porque as exportações estão aumentando em mais de 10% por trimestre - será um crescimento bem maior neste trimestre. Elas representam 12% do PIB americano, mas seus desdobramentos sobre o nível de emprego e na produção ainda estão sustentando as taxas atuais de crescimento da ordem de 2% ou um pouco mais. Estamos entrando no período de festas de fim de ano - na verdade, nos EUA, eles começaram na sexta-feira, um dia após o dia de Ação de Graça - e tudo indica que este ano pode não ser melhor do que o ano anterior, mas também não será pior.
Na verdade, todas as agências noticiosas confirmam que a demanda interna continua intacta, apesar da redução do crédito por parte das instituições financeiras atingidas pela crise dos imóveis. Nada aponta para desaceleração mais forte da economia americana na semana que se inicia e em dezembro.
Resta o medo de mais uma explosão dos preços do petróleo. Até agora, o que estamos vendo é um choque dos preços, e não de oferta. Ou seja, não está faltando petróleo aos preços que a Opep está impondo, sob a alegação de perdas com a desvalorização do dólar, o que é apenas uma meia-verdade. O dólar desvalorizou-se em 10% desde outubro, mas o preço do petróleo subiu mais de 40%! Eles contiveram a oferta mesmo antes da atual explosão dos preços. A verdade é que eles se recusam a aumentar a oferta que está lhes gerando uma renda de mais de US$ 650 bilhões.
OU A BOMBA OU O PETRÓLEO
No fundo, pode-se afirmar que o choque do petróleo poderá provocar mais danos à economia mundial - e ao Brasil também - do que a crise imobiliária e seus efeitos financeiros. A associação de ambos é altamente danosa para todos.
Neste momento, estamos numa situação muito parecida ao choque do petróleo de 1973 (guerra com Israel) e 1979/80, com a ascensão de Khomeini, no Irã, quando boicotaram a oferta de petróleo elevando os preços a US$ 101 em valores atuais. Não há nenhum exagero nessa afirmação. O Irã ameaça o fornecimento de petróleo se não permitirem que ele fabrique a bomba. A Venezuela desvairada insinua ir atrás, afirmando que um ataque aos reatores atômicos - americanos ou não - poderá elevar os preços a US$ 200.
IRÃ TEM TUDO PARA AMEAÇAR
O Irã nem precisa bloquear o Estreito de Ormuz, por onde passam mais de 80% do petróleo do Oriente Médio. Basta que retire do mercado os 3,8 milhões de barris que produz por dia para jogar o mundo na recessão. A economia mundial não se sustenta sem petróleo, e não é só por causa da gasolina, mas da indústria petroquímica e de fertilizantes, entre outras.
E ele está no Oriente Médio, que agora ameaça o mundo com mais um choque político. Ou nos deixam produzir energia nuclear (na verdade, fabricar a bomba) ou vamos cortar o fornecimento de petróleo, afirma sempre o presidente do Irã, sob os aplausos do coronel Chávez.
NÃO ESTAMOS IMUNES
Aqui no Brasil, muita gente vem fazendo comentários atendo-se apenas a alguns pontos. O principal argumento é que uma recessão americana não nos afetaria porque os EUA representam apenas 20% das nossas exportações.
Ivan Ramalho, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento - ele mesmo um bom técnico -, afirma que os 80% restantes estão "distribuídos por mais de uma centena de países". É um argumento insustentável, porque uma recessão nos EUA inevitavelmente vai afetar a economia e as importações dos outros nossos parceiros comerciais, principalmente a União Européia, que já está exportando menos para os EUA. Portanto, se houver recessão, não estaremos protegidos, como muitos pensam. Seremos atingidos, sim, mesmo ocupando apenas o 23º lugar entre os países exportadores.
Mais grave, ainda. Se houver uma recessão nos EUA, haverá também uma forte redução das exportações chinesas para esse país; elas hoje representam 33% do crescimento econômico da China e nada menos que 10% do PIB. Os chineses já exportam mais de U$ 1 trilhão, só crescem por causa disso e, se pararem de crescer, a economia mundial recuará também.
Podemos estar preparados para a crise financeira do mercado de imóveis, mas não para uma forte retração do comércio mundial.
Pode-se argumentar que nosso crescimento de 5% está sustentado pelo aumento da demanda interna, mas essa demanda só persistirá se a base geradora de emprego e renda - a indústria - puder continuar produzindo para o mercado interno, sim, mas, principalmente, para exportação.
É pouco realista andar dizendo que os países emergentes estão substituindo os países industrializados na sustentação da economia mundial. É uma afirmação vaga e figurativa, pois Brasil, Rússia, Índia e China - a "ficção" dos Brics - serão os primeiros a ser atingidos por uma recessão americana espalhando-se pela Europa. Ambos, ainda, representam mais de 50% do PIB mundial.
Vamos ser realistas. É hora de enfrentar esses dois choques, do dólar e do petróleo, pois, mesmo produzindo em reais, a Petrobrás cobra em dólar. De nos prepararmos para uma retração do comércio mundial e para um novo choque do petróleo a mais de US$ 100, pois dependemos do mercado externo para crescer e a Petrobrás, mesmo produzindo em reais, pratica o preço internacional, transformando-o na moeda local.
Estamos livre do choque da oferta, mas não do preço. Dólar e petróleo são os nossos desafios.