O Estado de S. Paulo |
29/11/2007 |
Há um mês, um pouco menos, ninguém ousaria sequer aventar a hipótese de o governo perder a parada da CPMF, não conseguindo aprovar a prorrogação até 31 de dezembro, de forma a preservar a arrecadação integral do imposto em 2008. Mesmo a oposição fazia suas graças, mas considerava o assunto matéria vencida. De uma hora para outra, o vento virou. O mais provável continua sendo a vitória governista no prazo previsto, mas, além de o custo - político, inclusive - sair mais alto que o imaginado, o risco da derrota passou a freqüentar o ambiente já não como possibilidade remotíssima. É verdade que o governo faz charme quando fala em retirada da proposta e admite a existência de um plano B até outro dia negado com veemência. Não quer posar de arrogante porque há o risco e, nessas horas, o pessimismo serve para unir a tropa e iludir o inimigo. As ameaças de aumentar Imposto de Renda, suspender obras do PAC e restringir o Bolsa-Família também soam inverossímeis. Em ano eleitoral o presidente Luiz Inácio da Silva não mexe no bolso do contribuinte, muito menos investe contra as jóias de sua coroa. Seria mais que um tiro no pé, dispararia contra o próprio peito. Já bastam os vários petardos que o governo dirigiu contra si nesse processo de tramitação da CPMF e que contribuíram sobremaneira para a alteração do rumo dos ventos e podem ser listados por ordem de entrada em cena. A absoluta imprevidência de deixar uma questão como essa, a única realmente importante da agenda parlamentar do governo e com data marcada para acontecer desde a última renovação há quatro anos, para a última hora. O governo sabia das dificuldades no Senado, mas as menosprezou. A arriscada imprudência de confiar na força da pressão dos governadores do PSDB, acreditando que, com isso, poderia livrar-se do varejo na base aliada e sair da história vangloriando-se da negociação altiva, de mérito. A total ausência de senso de oportunidade ao deixar que seus aliados alimentassem a discussão sobre a possibilidade de um terceiro mandato ou alguma outra forma de continuidade no poder que não a disputa eleitoral conforme as regras atuais. Abriu, óbvio, guarda à oposição e sacudiu os brios adormecidos do PSDB. A perigosíssima mistura do caso Renan Calheiros com a votação da CPMF, num acordo desastrado - até por desnecessário - que deu aos opositores a oportunidade de atrasar os trabalhos em duas semanas. As atabalhoadas ações da líder do bloco governista no Senado, Ideli Salvatti, que conseguiu com muita habilidade e empenho fazer o PTB se desvincular de sua liderança. E, por fim, a assinatura, de próprio punho, do presidente da República no aval à tese de que o governo não precisa da CPMF para fazer frente a compromissos indispensáveis, mas para gastar a rodo na construção do projeto de permanência no poder. Com tudo isso, só não surpreende que a situação não tenha fugido totalmente ao controle porque, como ensinam os experientes, governo quando quer uma coisa e se empenha por ela, ganha sempre. Diante da comédia de erros, a oposição se animou. Contabiliza 33 votos contra. Se for verdade, deixa o governo com apenas 48, 1 a menos que o mínimo necessário. Há tempo, porém, para o Planalto se rearticular. Os oposicionistas sabem disso e correram para apressar a tramitação da CPMF, para brilhar no momento de conturbação e também obrigar o governo a, na urgência, suar a camisa, explicitar a busca de votos mediante troca de favores, nomeações, liberações de emendas e fazer mais cara a conta da, apesar dos pesares, ainda provável vitória. Preliminar A aprovação por 17 a 3, na Comissão de Constituição e Justiça, do relatório pedindo a cassação de Renan Calheiros não antecipa nem autoriza previsões sobre o julgamento final no plenário, terça-feira próxima. Basta ver o voto de Romero Jucá, líder do governo e por diversas vezes atuante como advogado de defesa de Calheiros no Conselho de Ética. Ontem julgou-se a constitucionalidade do processo. No mérito, outros quinhentos valerão. A preço de ontem, a surpresa será a absolvição. Vento que venta A má notícia que vem da Bolívia e da Venezuela é o recrudescimento da pressão e repressão de Evo Morales e Hugo Chávez sobre seus adversários. A boa é que há adversários. As duas Constituições, feitas à imagem e semelhança de seus comandantes, sofrem pesada reação. E, assim, quedam-se por ora apenas feridos os arautos da mistificação da ditadura travestida de democracia direta na América Latina. Por aqui, os defensores da proposta da Constituinte exclusiva para fazer a reforma política sob a alegação de que o Congresso não a faz, se ingênuos ou calculistas, não interessa. Importante é que observem como as coisas só dão certo até o momento em que começam a dar errado. |
Entrevista:O Estado inteligente
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