editorial |
O Estado de S. Paulo |
29/11/2007 |
Se o presidente Lula não fosse o supra-sumo do triunfalismo e conservasse um mínimo de senso de proporção ao falar do seu governo, não chamaria a atenção a moderação que demonstrou diante do relatório da ONU, lançado anteontem em Brasília, com os mais recentes Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) de 177 países, referentes a 2005. A discrição é significativa por evidenciar que nem mesmo o pendor presidencial para a fanfarronada fez o Planalto ir além das tamancas na comemoração da mudança da posição do Brasil no ranking do IDH. O País deixou de ser o 69º nessa classificação - o que o situava entre as nações de desenvolvimento humano apenas médio - para se tornar, no 70º posto do rol, a última das sociedades consideradas de alto IDH. Não há de fato motivo para prosopopéias. Primeiro, porque no relatório de 1998, elaborado com números de 1995, já estávamos nesse bloco de países cujo índice precisa ser de pelo menos 0,800, numa escala de 0 a 1. Ocorre que, em 1999, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), responsável pelo levantamento, mudou a forma de calcular o PIB por habitante dos países estudados, um dos componentes do índice, ao lado da expectativa de vida ao nascer, das taxas de matrícula nos vários níveis de ensino e do porcentual de adultos alfabetizados. Com a alteração, o Brasil e outros países acabaram rebaixados para o bloco dos médios. A segunda razão a desaconselhar fanfarronadas são as limitações inerentes a modelos estatísticos do gênero. O IDH discrimina com evidente fidedignidade os extremos - por exemplo, mede com precisão a distância abissal entre os 20 ou 30 países do topo e os outros tantos do rés-do-chão mundial. Mas as comparações se embolam tanto mais quanto mais perto se está do meio do campo. Assim, enquanto confere com os dados empíricos conhecidos o ordenamento que coloca Argentina, Uruguai, Costa Rica, Cuba e México à frente do Brasil em matéria de desenvolvimento humano, nos termos em que o Pnud o define, causa compreensível estranheza encontrar o Brasil abaixo de países como Romênia, Albânia e Macedônia - que despejam sem cessar legiões de emigrantes na Europa Ocidental -, para não falar de Líbia, Tonga, Maurício e assemelhados. Pouca diferença faz, portanto, se nessa contabilidade o Brasil está melhor ou pior que Dominica, Santa Lúcia, Casaquistão... Mas o que melhor expõe a modéstia do "avanço" de agora é o fato de ele ter-se verificado quase que totalmente entre 1995 e 2000, quando o índice aumentou 4,78%, passando de 0,753 a 0,789, ou seja, 36 milésimos de 1 ponto. O aumento entre 2000 e 2005 foi de 1,39%, o que nos levou de 0,789 a 0,800 - aumento de 11 milésimos de 1 ponto. E isso se deve basicamente ao impacto do Bolsa-Família para a elevação do PIB per capita brasileiro. É uma constatação agridoce. De um lado, por demonstrar que o programa funciona. Isso porque "foi implementado através de um sistema político descentralizado", avalia a ONU, "mas com forte apoio federal em termos de definição de regras". Não é pouco. O drama é o outro lado. Não está em curso nenhuma transformação qualitativa no desenvolvimento humano nacional - o que se revelaria caso o avanço no IDH se explicasse não por políticas assistenciais, mas por políticas de modernização da infra-estrutura que o Estado nacional não tem recursos para realizar, apesar do crescimento da economia. Teria se não jogasse dinheiro fora. Por isso, a universalização da educação básica e o crescimento da matrícula nos níveis médio e superior convivem com padrões indigentes de ensino. Nesse passo, o Brasil continuará por muito tempo a ser o país do futuro. Não menos importante é quão pouco ainda se aplica ao País a noção de alto desenvolvimento humano, na acepção de qualidade de vida, que lhe é indissociável. Trata-se do subdesenvolvimento brasileiro em relação ao que o filósofo político Avishai Margalit, de Princeton, denominou "sociedade decente". É amarga a coincidência, nesse sentido, do noticiário sobre o IDH com os desdobramentos da tragédia da jovem L., largada às feras pela polícia paraense. O seu sobrenome, comentou o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, é Brasil. Por isso, sugeriu que se falasse em "caso Brasil".
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Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, novembro 29, 2007
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