Isso aí é, admitidamente, uma impressão pessoal, embora eu acredite que, em termos gerais, muita gente concorda com ela. Observem que não estou caluniando o presidente da República. Não disse nunca que o golpe é planejado por ele, até porque ele não precisa fazer nada, vai tudo correr no automático. Estamos presenciando a disseminação do que poderíamos chamar ''''golpe legal'''', ou seja, realizado através de mecanismos perfeitamente legitimados pela ordem jurídica, alguns agora cada vez mais enobrecidos, como o plebiscito, como se estivéssemos de volta aos bons e velhos tempos em que ainda se praticava a chamada democracia direta. Eu disse que o golpe vai se dar através do presidente, até porque não há outros nomes, nem há mais petismo, nem praticamente ''''ismo'''' nenhum de alguma relevância eleitoral, a não ser o lulismo. Ele topa o que vier e sua pergunta-chave será se, em qualquer novo esquema, ele continuará a exercer a função principal, ou seja, se vai continuar no poder. Se responderem que sim, ele veste a camisa na hora.
Desisti, pelo menos momentaneamente, de ficar brincando de analista político profissional, procurando ler os especialistas, telefonando a amigos e fuçando blogs, para ficar ''''por dentro da situação''''. Não é preciso nada disso. Aqui mesmo de minha toca, de onde saio cada vez menos e não sinto falta, já acertei uma porção de palpites, desde bem antes da CPMF, cujo P vi logo que era de ''''permanente'''', nunca caí nessa. E creio que muitos de vocês já minhocaram o suficiente para compreender que grande parte do que negam é verdade e que esse pessoal que ora atufa a máquina pública e as estatais não vai querer largar o osso. A vida pública é quase sempre descrita como um grande sacrifício, mas devemos ser o povo com mais vocações de mártires no mundo, porque ninguém quer deixar de sacrificar-se.
Paranóia ou não, delírio ou não, está na cara que o presidente quer o terceiro mandato. Ele diz que não, mas de vez em quando um indício escorrega, todo mundo já pegou um. Para quem passou um tempinho fora como eu - basta um tempinho -, a visão fica mais nítida. Desde que cheguei que só batem em meus ouvidos e meus olhos de leitor de jornais notícias e comentários sobre o terceiro mandato. Sublinhe-se ainda a inflamada defesa que o presidente fez de Chávez, que preside um país a seu ver democrata, apesar de um Congresso submisso, um Judiciário entupido de amigos e correligionários e dinheiro para vastos ''''programas sociais''''. Além disso, ele não gosta de Bush e é amigo de Fidel Castro, o que para diversos o torna um homem de esquerda, quando de esquerda ele só tem mesmo um braço e uma perna.
Ninguém enxerga a volta, sem muita renovação, do caudilhismo que parecia tanto ser coisa do passado. Ninguém vê nada de fascistóide no que se anda fazendo. Ninguém lembra o não ainda defunto peronismo. Ninguém lembra o que Fujimori andou fazendo no Peru. E, principalmente, ninguém parece preocupar-se com o presidente achando a Venezuela uma democracia (aqui não é, quanto mais lá), até porque legitimada por eleições e plebiscitos. Não vou repetir a besteira que ainda muito se reitera, segundo a qual o povo não sabe votar. O povo sabe votar muito bem, para as circunstâncias, e vota no que o beneficia diretamente. No caso do Brasil, os eleitores cativos do Bolsa Família vão votar certo, ou seja, em Lula, criador e mantenedor do programa. Eles iam votar em quem? Não fazem idéia dos graves problemas que o programa vai gerar, nem de onde o dinheiro está saindo, nem lhes interessa que os políticos roubem - pois sempre tiveram essa fama e nunca deram nada.
A solução, porém, tem pouco de democrata. Votação maciça também levou os nazistas ao poder, assim como, na antiga Checoslováquia, o comunismo se instalou pela sabedoria popular, via eleitoral. O voto é sem dúvida soberano, para nós a única via legítima para a escolha dos governantes. Mas os votos decisivos, em nosso caso, são praticamente comprados de uma minoria apática, desiludida e até desesperada, o que não configura bem uma democracia. A maioria não tem o direito de cercear os direitos das minorias de qualquer tipo e essa maioria está se lixando para irrelevâncias como liberdade de imprensa ou expressão, que nunca lhe serviram de nada, tudo coisa de barão.
Mas agora chegamos ao ponto a que chegamos. Já descrevi as manobras, todas perfeitamente legais, como na Venezuela, que podem ser facilmente tomadas, notadamente com políticos corruptos, inexpressivos e sem amor à causa pública, para o terceiro mandato. Ainda há uns probleminhas a resolver e, afinal, o esquema talvez não dê certo, mas está tudo sendo costuradinho, podem ter certeza. E a Zelite continuará tranqüila, pois quem paga nunca é ela.