Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 25, 2007

Vergonha nacional

No capítulo das grandes vergonhas nacionais, merece destaque o fato especialmente sórdido, de vileza desmedida, que é a colocação de mulheres em celas com muitos homens, para que sejam exploradas e brutalizadas sexualmente. Recentes episódios ocorridos em prisão do Pará chocaram a opinião pública brasileira e mundial. O primeiro é o de uma jovem, que se suspeita ser menor - ainda não se sabendo se falsificou ou não os documentos para ser beneficiada com o Bolsa-Família, mas aí pouco importando a diferença etária -, que ficou presa 15 dias numa cela com 20 homens, aos quais prestava serviços sexuais em troca de alimentação, ou era pelos mesmos violentada. O outro é de uma mulher de 23 anos presa em cela junto com 70 homens, nas mesmas circunstâncias. E o mais acachapante é que a governadora do Pará, que alegou não ter tido qualquer informação sobre a cena escabrosa da Delegacia de Parauapebas (a 543 quilômetros de Belém), suspeita de que a prática é comum - não apenas em seu Estado, mas em outros locais do território nacional - para garantir sexo aos detentos (e assim, quem sabe, deixá-los mais calmos).

Eis aí, indiscutivelmente, o último estágio da degradação a que podem chegar o Estado e suas instituições - no caso a penitenciária, mas com reflexos profundos na judiciária, legal, administrativa e de toda a ordem. E o mais incrível é que algumas das autoridades, ouvidas a respeito, justificam a colocação de mulheres em celas repletas de homens com a inexistência, em sua região, de cárceres específicos para mulheres. O que não poderia existir na verdade - em qualquer país que não esteja submetido à plena barbárie - é essa promiscuidade, desrespeito profundo aos mais rudimentares princípios dos tão alardeados Direitos Humanos. É por isso que o governo brasileiro faz bem em não desmentir as tão contundentes denúncias, contidas nos relatórios de instituições internacionais, sobre o opróbrio penitenciário de nosso país.

No começo o Brasil até tentou embargar - mas desistiu - o texto da Organização das Nações Unidas (ONU) que concita o País a indenizar as vítimas de torturas em suas prisões, afirma que a impunidade dos autores desses crimes prisionais, no Brasil, é a regra, além de enfatizar que aqui as cadeias são "imundas, desumanas e asfixiantes". O diagnóstico, contido em relatório sigiloso elaborado pelo Comitê contra Tortura, detecta uma deterioração generalizada do sistema carcerário brasileiro, da tortura às várias outras formas de violência contra a pessoa - no que os episódios das mulheres presas do Pará são uma trágica ilustração.

É muito curioso que conhecidos defensores dos Direitos Humanos no Brasil - que regra geral dedicam sua atenção aos Direitos Humanos dos bandidos - não alardeiem essa situação dantesca. Eles reagem de forma idiossincrática, por exemplo, à redução da nossa maioridade penal, que é aos 18 anos - ignorando (ou bem sabendo) que a responsabilização criminal só aos 18 anos é exclusividade de 4 países, a saber Venezuela, Colômbia, Guiné e Brasil, que estão longe de ser exemplos para o resto do mundo nesse campo. Talvez os direito-humanistas caboclos julguem que para o inferno carcerário a melhor alternativa seja a impunidade (pelo menos etária). Também em nada eles contribuem - pelo contrário - para a melhoria do sistema penal brasileiro, fazendo os habitantes do universo carcerário pender entre o excesso de regalias e a extrema humilhação. É que não conseguem entender que os cárceres numa democracia sempre precisarão existir, sim, mas sem horrores e sem privilégios.

Na legislação penal defasada, na polícia judiciária despreparada, no sistema carcerário desequipado - e brutalizado -, na segurança pública destreinada e no poder público corrompido em tantos setores, podem-se enxergar as raízes de aberrações, como os episódios das mulheres presas do Pará, ou os vícios generalizados que apontou o relatório da ONU. A única esperança da sociedade brasileira é que esses trágicos diagnósticos levem à mudança de tão sombria realidade.

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