O Globo |
28/11/2007 |
O Brasil está prestes a ser chamado para mediar mais uma crise política desencadeada pela tentativa do protoditador venezuelano Hugo Chávez de predominar nas relações regionais. Ao "congelar" as relações diplomáticas com a Colômbia, depois que o presidente Álvaro Uribe retirou-lhe a autorização para negociar um pacto humanitário de troca de prisioneiros com as Farcs por ter excedido os limites de sua missão, Chávez chamou o colega de "mentiroso" e colocou o continente em alerta. A tese do Itamaraty de que a integração regional na América Latina tem que ser buscada a todo custo para dar, como disse o presidente Lula na entrevista ao GLOBO de domingo, "tranqüilidade ao continente", faz sentido, mas tem sido freqüentemente alvejada pelos fatos, que nos últimos dias desmentem a fama de pacífica da região. Aos conflitos históricos somam-se novos, como a reclamação da Argentina contra uma fábrica poluente do Uruguai, o que levou ao fechamento da fronteira entre os dois países; na Bolívia, a ameaça do separatismo se confirma como possibilidade forte devido à tentativa de aprovar uma nova Constituição que dá poderes excessivos ao Executivo, assim como uma nova Constituição na própria Venezuela encontra resistência na sociedade; a Bolívia não cumpre os acordos de fornecimento de gás para a Argentina e o Brasil; e a aliada de Chávez quando ele ainda tinha autorização de negociar a libertação dos reféns das Farcs, a senadora colombiana Piedad Córdoba, que foi ameaçada de morte, recebeu solidariedade do presidente da França, Nicolas Sarkozy, que lhe ofereceu asilo político. No meio desse ambiente de hostilidades crescentes, a política de armamento da Venezuela acende a luz de alerta em setores militares brasileiros, e a questão do reequipamento das nossas Forças Armadas, que andava preterida por outras prioridades, entra na ordem do dia. Também a entrada da Venezuela no Mercosul fica congelada pela Câmara, para uma decisão definitiva no próximo ano, quando o quadro político estiver mais definido. Antigas pendências territoriais adormecidas voltam a ser lembradas nesse ambiente convulsionado com a chegada ao poder de dirigentes como Chávez e Morales, como a disputa pela Guiana, que a Venezuela considera sua até o Rio Essequibo, território que até hoje classifica de zona de disputa internacional. Embora não se encontre qualquer texto escrito a propósito, diplomatas brasileiros lembram que os venezuelanos sempre procuraram cooptar o Brasil nessa disputa, sugerindo que nos restituiriam o que perdemos para a Inglaterra na questão defendida por Joaquim Nabuco, quando o rei da Itália entregou aos ingleses mais do que eles desejavam do Brasil, em troca de concessões britânicas no Mediterrâneo. Para defender a ex-Guiana Inglesa contra os impulsos expansionistas bolivarianos, os americanos negociam, agora, instalar uma base no Suriname, como já estão na Colômbia e no Paraguai, o que, na análise de experientes e desconfiados diplomatas brasileiros, constituiria também uma forma de cercar o Brasil. A saída para o mar que a Bolívia negocia com o Chile, e que é a responsável pela política de armamento chilena, pode pedir negociações diplomáticas também mediadas pelo Brasil, sem que, no entanto, aceitemos o desconhecimento de tratados territoriais firmados, pois todas as nossas fronteiras dependem disso: a Bolívia não esquece o Acre, nem a França, o Amapá, que eles consideravam parte da Guiana Francesa. Sem contar com a Argentina, que ainda considera seu o território de Palmas, na região das Missões. Há mesmo quem garanta que um antigo plano da Argentina seria ocupar Uruguaiana e depois trocar a desocupação pela renegociação do território das Missões. A derrota contra a Inglaterra na disputa das Ilhas Malvinas enterrou esse projeto mirabolante. Expedito Carlos Stephani Bastos, pesquisador de assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora, acha que ainda não existe uma corrida armamentista, efetivamente, na região, "mas o que estamos vendo ao nosso entorno caminha para isto". Segundo ele, há uma tentativa por parte da Venezuela de Chávez de se tornar a peça central no continente, e esses interesses podem entrar em choque com o de outras nações. Se referindo indiretamente aos acordos da Venezuela com o Irã e a Rússia, Expedito diz que "estão sendo feitas alianças, inclusive militares, que envolvem itens estratégicos, principalmente na área de energia, que podem ser um grande complicador nos próximos anos". O que mais o preocupa não são os aviões e meios navais modernos comprados pela Venezuela, "mas sim a capacidade de fabricação de armas leves, como os fuzis AK-47, em larga escala, que podem amanhã cair em mãos de movimentos sociais, narcotraficantes, crime organizado, garimpeiros, populações indígenas etc, e que ameacem a nossa ordem interna já repleta de problemas, principalmente em nossas grandes cidades". Já o professor Domício Proença Júnior, do Grupo de Estudos Estratégicos da Coppe/UFRJ, acha que, com a experiência do século XX, "é quase reflexo que se tome qualquer adensamento de compras de defesa como sendo corrida armamentista. No caso da América do Sul isso é apenas recurso retórico, de impacto". Ele lembra que uma corrida tem que ter mais que um envolvido, e faz a ressalva: "Se as iniciativas venezuelanas produzirem uma escalada de compras na região - uma escalada, e não apenas atos que busquem atualizar um equilíbrio - então em algum momento se poderá estar falando de corrida armamentista. Mas não é o caso agora". Mas Domício Proença Júnior lembra que "as capacidades de todos os demais países, inclusive a Venezuela, são insumos importantes para o processo de definição de prioridades". Como se vê, o continente pacífico pode ser palco de conflitos sérios, o que reforça o papel de líder regional do Brasil, desde que exercido com firmeza. |
Entrevista:O Estado inteligente
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