Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 22, 2007

Merval Pereira - Tudo pelo social




O Globo
22/11/2007

Dois documentos sobre a relação dos gastos crescentes do governo federal e os benefícios sociais, introduzidos na Constituição de 1988 e ampliados nos governos subseqüentes, chegam a conclusões semelhantes: seria fundamental fazer reformas estruturais, especialmente na Previdência, para equilibrar as contas públicas. Mas os autores dos trabalhos, diante da dificuldade evidente de os mais variados governos conterem seus gastos, analisam soluções alternativas. Luiz Guilherme Schymura, do Ibre da Fundação Getulio Vargas do Rio, sugere que se estimule a entrada de capital estrangeiro para que substitua nossa inexistente poupança interna.

Já o economista Fabio Giambiagi, de volta ao BNDES depois do expurgo promovido pela nova administração no Ipea, deixa como seu último trabalho uma análise dos gastos do governo entre 1991 e 2007, alertando que, se não forem detidos os gastos correntes do governo com reformas estruturais, somente com um crescimento médio acima de 4% as conseqüências não serão sentidas.

Paradoxalmente, ele lembra que o preço a pagar pode não ser o em outras épocas tão temido calote da dívida pública, mas sim a frustração da expectativa de um crescimento econômico sustentável mais próximo dos 5% a.a. Segundo o estudo de Giambiagi, nesses 16 anos, o gasto primário do governo central passou de 14% do PIB, em 1991, para uma estimativa de 22% do PIB em 2007.

Nesse mesmo período, a receita do governo central escalou de 15% do PIB para 24% do PIB e a carga tributária de 24% para aproximadamente 35% do PIB. Apesar disso, o investimento público tem sido inferior ao observado nos anos 1980.

A conclusão de Giambiagi é que os gastos públicos que mais aumentaram foram aqueles considerados como "gastos sociais", que reduzem os investimentos governamentais e, em conseqüência, provocam um crescimento econômico medíocre.

Segundo ele, os números contam a história de um país com dificuldades para se auto-limitar, onde a propensão generalizada a atender às diversas demandas foi satisfeita até 1994 através da inflação, posteriormente pelo aumento da dívida pública e nos últimos anos por meio de uma maior carga tributária.

Esta é uma realidade que, segundo Giambiagi, caracterizou um longo período histórico de quase 25 anos, não por acaso de crescimento econômico medíocre, em torno de 2,5% ao ano. A tendência ao aumento da despesa como proporção do PIB se iniciou no governo Sarney, em 1985, cujo slogan era "tudo pelo social", e se consolidou nos dois governos de Lula. Em todos esses anos, cada presidente entregou o país no final do mandato com uma despesa maior, como fração do PIB, do que no final da gestão anterior.

Depois de duas décadas de forte expansão do gasto público, o trabalho de Giambiagi destaca que é importante conter esse ritmo de crescimento para aumentar o investimento público e reduzir a carga tributária. Daí a importância de reformar a Previdência social, diminuir o grau de vinculações e limitar o crescimento da despesa corrente.

Na mesma linha, Luiz Guilherme Schymura, do Ibre da FGV do Rio, observa que no Brasil, ao longo destas primeiras décadas de redemocratização, "optou-se por uma ação sociopolítica que garante aos trabalhadores e à população em geral direitos que representam uma forte proteção contra os riscos da inatividade, seja por idade ou por outras razões".

Assim, temos um sistema de Previdência que ele classifica de "muito generoso com o conjunto dos funcionários públicos e com a esmagadora maioria da população que recebe, na vida ativa, salários de até aproximadamente R$2 mil". Esse regime previdenciário e assistencialista consome mais de 12% do PIB, e tem um efeito correlato letal para o crescimento: desestimula a poupança interna.

Segundo Schymura, a razão, já confirmada por trabalhos técnicos, é intuitiva: se o Estado provê, por que poupar para a velhice ou para eventuais vicissitudes que impossibilitem o trabalho? Exatamente o contrário acontece em países de altíssima poupança interna, como a China, cujo montante alcança cerca de 50% do PIB.

O reduzido gasto previdenciário contribui também para o robusto desempenho fiscal chinês, o que faz do setor público um grande poupador. A resposta evidente, para Schymura, é que não podemos prescindir da poupança externa para complementar nossas necessidades de investimento, "organizando um sólido e previsível marco regulatório, e não discriminar o investidor estrangeiro".

Na verdade, segundo Schymura, para absorver o necessário complemento de poupança internacional, o país precisa operar com um nível moderado de déficit em conta corrente, que não comprometa nosso equilíbrio externo nem provoque dúvidas sobre a solvência do país.

Ele também defende uma segunda etapa de reformas estruturais, com alterações na Previdência e um programa de redução dos gastos públicos, além de mudanças drásticas na legislação trabalhista, no sentido da flexibilização e da redução dos custos das empresas, que dariam um fôlego extra às indústrias intensivas em trabalho prejudicadas pelo câmbio valorizado e pela competição chinesa.

Fábio Giambiagi diz que "mais cedo ou mais tarde, a taxa de crescimento do gasto terá que convergir com a do PIB ou, de preferência, ser um pouco menor". Luiz Guilherme Schymura acha que, como politicamente é inviável implementar essa agenda de reformas, "o mais sensato é trabalhar com o cenário provável da dependência da poupança externa, e estender o tapete vermelho para o capital estrangeiro".

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