O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu como tarefa sua reorganizar o PSDB para as próximas disputas eleitorais, convencido de que, se o partido não mudar sua maneira de se relacionar com o eleitorado, não estará em condições de tornar realidade a profecia mais aceita nos meios políticos, a de que elegerá o próximo presidente da República na sucessão de Lula. “Não adianta achar que a disputa será entre Serra e Aécio, se não trabalharmos desde já para tornar isso uma realidade”, comenta ele. Uma das alternativas que chegou a alimentar, mas que parece inviável, seria formar uma chapa pura, com um sendo vice do outro e, a exemplo dos Estados Unidos, o vice sendo o candidato natural à sucessão. Nem Serra nem Aécio gostam da idéia, e cada qual já começa a pavimentar seu caminho independentemente do outro.
O PSDB teve um comportamento tipicamente bipolar na administração da crise política, que, em certo momento, parecia ter inviabilizado a reeleição de Lula. Os tucanos passaram de uma atitude de soberba, quando diziam que qualquer dos seus candidatos potenciais venceria Lula, para o derrotismo, preferindo ficar com o certo, que era a candidatura de José Serra ao governo paulista, e lançar o duvidoso Geraldo Alckmin para uma disputa previamente perdida pela Presidência.
Fernando Henrique continua espantado com a incapacidade do PSDB de defender os seus ideais, o que já ficara entrevisto na eleição de 2002 e foi explicitado nesta recente campanha eleitoral, quando Lula baseou sua estratégia do segundo turno no ataque às privatizações sem que o partido esboçasse uma reação.
Para o ex-presidente, o PSDB aceitou passivamente o rótulo de ser um partido elitista, de direita, pespegado nele pelos petistas, e não soube sair até agora dessa armadilha ideológica, que considera ultrapassada. Para ele, a reeleição de Lula colocou em choque o país moderno contra o país arcaico, não exatamente uma divisão geográfica tipo Nordeste atrasado contra o Sul desenvolvido, nem mesmo a disputa de classes de ricos contra pobres.
Essa divisão, diz ele, só favorece Lula, embora não represente a realidade política.
“Muitos oligarcas nordestinos votaram em Lula, e muitos empresários do Sul também, enquanto pequenos agricultores ligados à exportação ficaram contra o governo”, analisa. Fernando Henrique, bem-humorado, diz que Lula está quase assumindo a paternidade do Plano Real, e acha espantoso que ele continue dizendo que controlou a inflação e estabilizou a economia em seu governo sem que caia no ridículo.
Além do mais, Fernando Henrique lembra que a rede de proteção social começou com o seu governo, com diversos tipos de programas assistenciais que foram unificados no Bolsa Família de Lula.
Mas diz que, por pudor e objetivos políticos, os tucanos nunca utilizaram esses programas como alavancadores de votos nas regiões mais pobres: “Primeiro, para nós esses programas não eram um fim, eram transitórios.
Depois, nós não sabemos alardear nossos feitos”.
Em 2002, houve um dos maiores aumentos do poder aquisitivo das classes mais pobres, e mesmo assim a campanha presidencial de Serra não soube tirar proveito.
Fernando Henrique lembra que o próprio Serra não soube explorar eleitoralmente o fato de ter sido o maior impulsionador do Sistema Único de Saúde (SUS), que praticamente só existia no papel quando ele assumiu o Ministério da Saúde.
Além dos diversos seminários que estão programados para rediscussão dos programas partidários e definição de linhas de ação, Fernando Henrique acha que os tucanos devem procurar caminhos que os conectem mais com o cidadão comum, aproveitando que o partido governará três dos principais estados brasileiros — São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul — para difundir seus pensamentos e mostrar como é seu jeito de governar.
Esse trabalho deve começar, segundo ele, já nas eleições municipais de 2008.
Nesse sentido, estimulou, por exemplo, a vereadora do Rio de Janeiro Andréa Gouvêa Vieira, que o visitou semana passada em São Paulo, a seguir adiante com o projeto de viver a realidade das diversas comunidades do município do Rio, com o objetivo de disputar a indicação do partido para ser candidata a prefeita em 2008. A partir de março, a vereadora do PSDB vai morar em diversas comunidades e discutir com seus representantes os principais problemas, para organizar uma proposta de governo.
Também a eleição do expresidente do partido, senador Teotônio Vilela Filho, para o governo de Alagoas servirá para que o partido mostre aos nordestinos, que optaram em massa pelo PT e seus aliados, como sabe governar para os mais pobres.
O estado será uma espécie de vitrine dos programas e métodos tucanos, e Fernando Henrique está se preparando para passar o fim de ano por lá para discutir com o governador eleito os programas piloto que serão realizados. O partido vai destacar técnicos para assessorar o governo de Alagoas, que tem uma boa tradição tucana. Foi, em 2002, o único estado em que Serra venceu Lula.
No próximo fim de semana, o ex-presidente estará na Casa das Garças, no Rio, para um encontro com economistas e tucanos em geral, dentro da tarefa que se propôs de reaglutinar os membros e simpatizantes do PSDB para uma espécie de refundação do partido.
A Casa das Garças é um centro de estudos que reúne economistas e acadêmicos para seminários e conferências, a maioria deles ligados à PUC do Rio, de onde saiu a maior parte dos economistas que fizeram o Plano Real.
Fernando Henrique quer reunir esses intelectuais e acadêmicos ligados ao PSDB para retomar as discussões sobre o país e buscar caminhos alternativos para o crescimento econômico.
Entrevista:O Estado inteligente
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