Feliz ano-novo para todos nós.
Houve um tempo em que o réveillon era conhecido também como ano-bom, mas acho que décadas e mais décadas de experiência nos levaram a abandonar gradualmente a expressão, a ponto de os jovens talvez nem a conhecerem.
Desta vez, contudo, encaro este teclado com a missão autoconferida de passar uma mensagem de otimismo e confiança e tentar levantar nosso ânimo. Vocês podem pensar que estou sendo irônico, mas garanto que não, pois a verdade é que preferia que todos os domingos fossem alegres e despreocupados, inclusive nesta coluna. É difícil, como acho que vocês imaginam. Cronista, colunista, articulista, o que lá seja, depende muito do que acontece.
E o que acontece a gente lê na imprensa noticiosa e vê na televisão: é só ladroagem pra lá, vigarice pra cá, tiros alhures, seqüestros algures e desgraças sortidas.
A primeira constatação otimista, que forneço com prazer, é que continua funcionando o esquema de dividir o tempo em fatias como semanas, meses e anos. É uma beleza porque não quer dizer nada em si, mas sempre proporciona a oportunidade para que a gente finja recomeço e renovação.
E outra coisa que quero sublinhar é que o ano já passou e que vai começar outro. O fingimento tem que dar certo. O que passa devagar, já sabiam os antigos, é o dia. Ano passa depressa, o dia é que passa lentamente, sobretudo nas ocasiões em que precisamos, como presumo que aconteça com todos nós, dedicálo a atividades e providências que nos tiram o sossego ou a paciência.
Pronto, 2006 se prepara para se tornar apenas uma lembrança, e podemos apagar o que de ruim aconteceu nele. Ano-novo, vida nova, a começar pela posse do homem amanhã.
Ele já tinha dito que 2006 havia acabado e proclamou diversas vezes que o país está pronto, arrumadinho para o crescimento. Agora nos resta, nos momentos de folga em que não estejamos gastando os generosos salários que doravante nos pagarão, pegar uma espreguiçadeira, esticá-la na varanda e assistir ao espetáculo do crescimento. Não estamos acostumados a isso e deve ser uma beleza, bem melhor do que os fogos que soltam no Rio e pelo Brasil afora.
Espero que o espetáculo engrene logo em Itaparica, aonde, Deus sendo servido, deverei ir em janeiro. É bem verdade que tenho algum receio de entrar num avião no Brasil, sentimento que antes não me afligia. Viajar de avião está ficando cada vez mais complicado, mas é derrotista e pessimista e detrator do Brasil aquele que diz que essa confusão não é normal, como o governo cansa de explicar a quem passou dois dias e duas noites no aeroporto, com a roupa do corpo e as malas em Bombaim, devido a um pequeno engano, também perfeitamente natural. Além disso, é público e notório que o homem deu ordens para a confusão acabar e, como sempre, as ordens dele consertarão tudo.
Vocês vão ver como, a partir da posse, ele poderá dizer, com toda a certeza coberto de razão, que desde Cabral não se voa tão bem neste país.
Há também os que não acreditam que o governo que agora sai e entra de volta na mesma hora traga alguma mudança substancial para o país. Estão sendo iludidos, provavelmente por artes das elites e de seus mercenários da mídia a serviço de interesses escusos (uso este adjetivo porque, mero soldado raso da mídia, nunca se dignaram a me dizer a que interesses devo servir ou estou servindo ingênua ou burramente; aí, como não faço idéia de que interesses são, digo que são escusos porque qualquer coisa pode ser encaixada aí, a depender da vontade do freguês).
Esquecem que antes havia a herança maldita do governo anterior e que quatro anos não dão para nada, sendo necessários mais quatro, com alguns já sugerindo nova esticada em 2010. Por enquanto não pode, mas, com o Congresso progressista, moral e politicamente inatacável de que dispomos, não é de todo impossível que venhamos a ter neste país o melhor presidente vitalício que a história do mundo já viu. Já pensaram? Se o homem já foi o melhor presidente desde Tomé de Souza com apenas quatro anos de governo, imaginem com todo o resto de sua vida. Noto que choro ao contemplar tal hipótese, mas claro que deve ser choro de emoção cívica e amor ao Brasil, claro que é.
Outros derrotistas e agentes das malvadas elites alegam que o país não pode crescer porque não investiu nada em infra-estrutura. As estradas estão em petição de miséria, o transporte ferroviário é insignificante, portos precisam melhorar. Além disso, não haveria energia suficiente para sustentar um crescimentozinho de quatro por cento ao ano. Tudo bobagem, toda hora desmentida por alguma autoridade. Deve ter sido por acreditar piamente nisso que já estão anunciando uma espécie de racionamento do gás de uso doméstico, caso o crescimento atinja os níveis astronômicos do Haiti, que, por enquanto, vai deixando a gente na lanterna. Ou seja, o governo diz que não há problemas de geração e distribuição de energia e também diz que há a possibilidade dessa “regulagem” no gás que nós, o povo, consumimos.
Não entendi direito e imagino que pelo menos alguns de vocês também não, mas isso não justifica desconfiança, o pessoal sabe o que está fazendo, como vemos a todo instante.
Enfim, acho que podemos botar fé.
Não vamos escutar os que dizem que teremos sorte, se crescermos um pouquinho acima de três por cento no entrante ano. Estão errados, as mudanças não cessam. Por exemplo, o dr. Delfim Neto, craque da economia durante a ditadura e natural aliado de tudo o que o presidente sempre pregou, voltou. O crescimento do bolo está, pois, garantido. Quanto a nos darem um pedaço dele, é só a gente abandonar o emprego e arrumar uma bolsa-família esperta. A vida nunca foi tão fácil, neste país.
Entrevista:O Estado inteligente
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