Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Tentativa de controle de capitais fracassa

Só doeu neles desta vez

Em 1997, a Tailândia jogou o mundo
em uma crise quase catastrófica. Aloprou
de novo, mas só os tailandeses sofreram.
Entenda o que mudou


Giuliano Guandalini

Vincent Yu/AP
Naro Ng Sanganak/AP
Turbulência financeira em Hong Kong em 1997 (à esq.) e Surayud, primeiro-ministro tailandês, em visita a líder budista: novos tempos

Em julho de 1997, uma hecatombe econômica atingiu a Tailândia, irradiou-se para outros países asiáticos e resultou, em janeiro de 1999, no colapso do regime cambial brasileiro, com a conseqüente desvalorização do real. Na semana passada, quase dez anos depois da crise asiática, a mesma Tailândia ensaiou uma nova turbulência. Desta vez com contornos farsescos que não produziram sequer um resquício do estrago global de 1997 – hoje os emergentes possuem finanças mais sólidas, nadam em reservas de moeda forte e têm câmbio flexível, o que desestimula a especulação. Mas o episódio deixa um alerta valioso a governos que flertam com a idéia de intervir no câmbio para exportar e crescer mais. Na segunda-feira, o governo tailandês anunciou um drástico controle do fluxo de investimentos estrangeiros para afugentar o capital especulativo e conter os males causados pela valorização excessiva do baht, a moeda local, em relação ao dólar. Não se trata de uma doença localizada, mas sistêmica – a valorização cambial também atinge o real brasileiro e as moedas da grande maioria dos países emergentes. Esse é o maior desafio monetário do mundo atual. Para tentar solucioná-lo, o governo tailandês determinou que 30% de todo o capital estrangeiro ficasse retido em uma conta sem direito a nenhuma remuneração. Pior. O dinheiro deveria permanecer bloqueado ao menos um ano. Se o investidor saísse antes desse período, perderia um terço dos recursos.

Com a imposição desses controles, as autoridades tailandesas imaginavam que a moeda local sofreria uma desvalorização capaz de tornar suas exportações mais competitivas e o crescimento do país mais robusto. Mas o tiro do governo tailandês, chefiado pelo general golpista Surayud Chulanont, saiu pela culatra. Ao menos em parte. As medidas afugentaram não apenas os especuladores interessados nos ganhos de curto prazo, mas também o capital estrangeiro que ajuda a financiar projetos de longo prazo, recursos fundamentais para qualquer país em desenvolvimento. A bolsa local fechou com queda de 15%, a maior desde a crise asiática, depois de despencar 19% ao longo da segunda-feira. Mais de 22 bilhões de dólares evaporaram das ações de empresas locais. Com a reação catastrófica dos investidores, o governo foi obrigado a voltar atrás parcialmente. O mercado de ações, por exemplo, acabou sendo excluído desse controle. Com isso, a bolsa recuperou parte de suas perdas até quinta-feira. Houve, sim, o impacto sobre o câmbio esperado pelas autoridades tailandesas. Antes do anúncio do pacote, o baht acumulava alta de 17% em 2006; na quinta-feira, essa valorização caiu para 12%. No entanto, resta saber se essa valorização será permanente e se o ganho cambial vai compensar o estrago na bolsa e na credibilidade do país.

Seja como for, o episódio já deixa uma lição. Num mercado globalizado, é cada vez menor a margem de manobra dos governos para influenciar variáveis macroeconômicas como a taxa de câmbio. Por uma razão simples: os investidores são implacáveis e penalizam instantaneamente qualquer governo que ouse desrespeitar as leis básicas do livre-mercado. No Brasil não se passa um dia sem que algum empresário ou líder de entidade industrial apareça na imprensa lamentando as agruras de exportar e competir no mercado externo, diante da apreciação cambial e da acirrada concorrência – principalmente da China. Na Coréia do Sul, grandes empresas como a Samsung e a Hyundai se queixam da perda de competitividade internacional causada pela valorização da moeda coreana e pressionam o governo para obter compensações financeiras. O desespero dos empresários tailandeses é da mesma natureza. Pena que não existam mágicas para solucionar tal problema. "Os investidores relutarão em colocar dinheiro no mercado tailandês, o que elevará as taxas de juro no país e causará o efeito inverso do esperado pelo governo", diz Kim Eng Tan, da agência de análise de risco Standard & Poor's.

Mas como os países podem lidar com a valorização excessiva de suas moedas? Em entrevista a VEJA, Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia e um dos maiores especialistas em mercados emergentes, disse que a Tailândia escolheu a pior maneira possível para conter a valorização do baht. "O melhor caminho seria reduzir os gastos públicos. Isso conteria a inflação e propiciaria juros mais baixos, o que tornaria menos atraente a especulação financeira", afirmou. A receita cabe como uma luva para o Brasil.

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