O Poder Judiciário foi o que melhor exerceu pressão e beneficiou todos os seus membros
O bolo é um só. Se a fatia de uns é maior, as dos outros são necessariamente menores. Tal verdade deveria ser do conhecimento de todos, sobretudo dos gestores públicos e dos mais altos representantes do Estado, nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No entanto, parece que boa parte desses dirigentes faz vista grossa sobre uma verdade tão elementar, como se o seu trabalho valesse muito mais do que os dos outros ou como se os recursos públicos fossem infinitos, cada um retirando sempre uma fatia maior. Reflexo maior disto são as incessantes discussões e impasses relativos aos aumentos do salário mínimo, sempre prejudicados em função dos que mais ganham.
O Estado brasileiro possui uma estrutura corporativa que afeta substancialmente o seu tipo de democracia. Os grupos corporativamente mais bem organizados têm um maior poder de pressão para extrair para si um quinhão maior dos recursos públicos. Sua força se faz imediatamente sentir no modo de funcionamento republicano, conseguindo impor suas condições e criando uma espécie de casta estatal.
O Poder Judiciário foi o que melhor exerceu pressão, conseguindo com a fixação do seu teto um efeito em cascata que beneficiou a todos os seus membros. Sob a bandeira aparentemente moral de coibir os excessos, que reduziriam os gastos públicos, observou-se o efeito contrário, ou seja, o aumento dos salários e maiores gastos públicos. O processo terminou se fazendo de uma forma tão “natural” que, logo, surgiram propostas, tanto no Supremo quanto no Conselho Nacional do Ministério Público, de furar o teto. A situação é totalmente surrealista, pois o teto foi feito para estabelecer um limite, e os mesmos que estabeleceram o limite procuram subterfúgios para não obedecerem o mesmo limite.
Inútil dizer que tudo isto se faz por vias legais, porque é este mesmo o problema maior, a saber: que uma república corporativa segue as vias constitucionais que foram elaboradas para beneficiar uma minoria. Na tradição filosófica clássica, o governo de alguns sobre a maioria era chamado de oligárquico. A diferença, agora, consiste em que as vias legais substituíram a força como modo de exercício do Poder, embora este apresente ainda outros matizes relativos à observância da lei ou, no caso do Poder Legislativo, de sua elaboração.
Os argumentos utilizados na tentativa até agora fracassada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado de aumentarem significativamente os proventos de seus parlamentares são igualmente legais. O teto é também a ocasião, travestido de piso, de um aumento generalizado para todas as esferas do Poder Legislativo. A autoconcessão é a regra, numa atitude capaz de fazer inveja a qualquer mortal: aumentar os seus proventos ao seu bel-prazer.
O efeito mimético ganha, então, toda a sua força, pois se o Judiciário pode também pode o Legislativo.
Não espanta que o funcionalismo no Poder Executivo tenha, salvo em algumas carreiras corporativamente organizadas, os seus salários achatados. A classe média é cada vez mais penalizada, por ser a que mais paga impostos para sustentar os altos salários do funcionalismo.
O reverso dessa situação se situa nas atitudes ilegais dos que têm aparelhado o Estado brasileiro, como se fosse também legítimo utilizar o crime para comer uma fatia do bolo.
O assalto de certos sindicalistas e políticos aos cofres públicos nas operações mensalão e sanguessuga, entre outras, é um reflexo de como certos grupos terminam por considerar normal fazer uso da corrupção para se locupletarem.
A imagem que está sendo vendida ao país é a de que tudo é permitido, pois, afinal, ninguém é punido, e todos, de uma ou outra maneira, fazem a mesma coisa. Evidentemente, as vias legais e as ilegais guardam uma abissal diferença, porém, a imagem que passa é de que poucos se aproveitam do que deveria ser utilizado em benefício de todos.
Não deve, portanto, causar surpresa que a opinião pública desse país veja com descrença cada vez maior o modo mediante o qual os recursos públicos são utilizados por determinadas corporações que usufruem de posições privilegiadas.
O pouco apego às instituições democráticas pode ser o resultado de tais atitudes, como se uma República corporativa não fosse uma verdadeira democracia.
Entrevista:O Estado inteligente
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