Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 24, 2006

Miriam Leitão Melhor não

Este ano foi magro em boas notícias; mais fácil é comemorar o que não aconteceu. Não houve a queda da economia americana que alguns previram; não houve a queda do preço das commodities e, portanto, o saldo comercial não caiu, ao contrário do que todos os bancos esperavam no começo do ano. Não houve a temporada de furacões pior que a do Katrina, prevista para o Golfo do México. O melhor dos não acontecidos foi não ter havido uma crise econômica na eleição.

A economia americana, com desequilíbrios há tanto tempo, é anualmente candidata a puxar para baixo o fio da economia mundial.

Quando isso acontecer, certamente afetará o mundo inteiro por contágio. Pelo livro-texto, uma economia com tanto déficit comercial, há tanto tempo, e com um déficit persistente nas contas públicas, já teria enfrentado alguma crise. Cada sinal de esfriamento do mercado imobiliário americano foi visto com preocupação pelo mercado financeiro.

Mas os sinais não passaram de trovoada em dia de verão.

Não houve a tormenta temida.

O economista Nouriel Roubini, da Stern Business School, chegou a dizer que o mundo tinha 70% de risco de entrar em recessão. Previsões sombrias também foram feitas para a China. Não houve recessão, nem queda forte do ritmo de atividade nos Estados Unidos. Pelo contrário, os EUA ameaçaram queda, mas, depois, acabaram se segurando no melhor cenário: estão numa ligeira desaceleração, mas nada que ameace. O melhor cenário se confirmou: os Estados Unidos reduzem um pouco o ritmo, mas continuam crescendo; a Europa vai fechar o ano com 2,5% de crescimento, e o Japão, com 2%.

O mercado de commodities se acomodou. O minério de ferro, cujo preço é negociado anualmente, teve alta considerável na negociação de 2006. Foi o terceiro ano bom da Vale do Rio Doce, que aproveitou a onda e fez a mais ousada operação de uma empresa privada no exterior, comprando a canadense Inco. Outros metais mantiveram a alta. A siderurgia ganhou muito dinheiro e foi às compras lá fora. A soja teve um mau ano, amargando perdas cambiais e no preço do produto, mas o café, o açúcar, o álcool, o suco de laranja tiveram bons ganhos. O petróleo subiu e bateu em quase US$ 80 o barril, mas, quando ninguém mais esperava, caiu para patamares mais razoáveis. A Petrobras aproveitou a alta para alavancar seus lucros.

O Brasil não teve uma crise econômica num ano eleitoral.

Todas as eleições passadas no Brasil produziram altas descontroladas de inflação, juros e câmbio. Desta vez, os três caíram durante todo o período eleitoral.

Tem um pouco a ver com os outros fatos: commodities em alta pelo crescimento da economia internacional, e a competitividade das empresas brasileiras.

O país exportou mais, apesar de ter enfrentado uma logística cada vez mais adversa — problema que, em 2006, deixou fraturas expostas no transporte aéreo de passageiros. O ano termina com aeroportos conflagrados.

Na política, foi mais um ano de escândalos vergonhosos envolvendo desde a equipe de campanha de reeleição do presidente da República, até políticos de diferentes partidos. O Congresso ensaiou passos no caminho certo em CPIs, como a dos Sanguessugas, mas depois os pizzaiolos foram todos para o forno e ofereceram para a sociedade brasileira o mais indigesto menu de pizzas da história do país.

Nunca antes tantos tiveram que engolir tanto desagrado.

Mas o mais indigesto dos pratos que o Congresso preparou não foi servido. O país recusou o aumento de 91% nos salários dos congressistas.

A eleição não teve denúncia de fraude. Foi mais uma eleição num país que, felizmente, já se acostuma a ir às urnas. Mesmo num estado onde a eleição contrariou as pesquisas e surpreendeu todos, como na Bahia de Jaques Wagner, ou numa disputa acirrada, como no Paraná, de Roberto Requião, não houve dúvidas entre os derrotados sobre a limpeza da apuração. Parece normal, virou rotina, mas basta olhar para o México — com aquela apuração interminável e incerta, com aquela posse no meio da noite e cenas de pugilato no Congresso — para se valorizar o que a democracia brasileira conseguiu.

Foi um ano de festa democrática no continente, com 10 eleições, onde não há mais espaço para tiranias, apesar dos candidatos a caudilhos que, como sempre, estiveram em campanha.

O Partido Republicano não ganhou a eleição para o Congresso, e isso reduziu a pose imperial do governo americano, que já mudou de atitude: pede relatórios independentes, ouve críticas e até admite que não está ganhando a guerra do Iraque. Qualquer dia desses, vai descobrir que, sim, existe o risco do aquecimento global e — quem sabe? — pensará na hipótese de assinar o Tratado de Kyoto.

No Brasil, não aumentou o desmatamento, pelo contrário: a taxa de destruição caiu na Amazônia e se reduziu fortemente na Mata Atlântica. Mesmo assim, é bom que se diga, o desmatamento continuou.

O país não esqueceu os 50 anos do livro “Grande Sertão — Veredas” e o comemorou durante o ano inteiro, com reportagens, seminários, novas edições, debates, cadernos e programas especiais sobre Guimarães Rosa e sua obra-prima.

Foi um ano assim, nem mais, nem menos: não foi ótimo, não foi péssimo; houve duros momentos, e outros até animadores; não foi o começo de nada sonhado, nem mesmo o fim requerido; foi um ano de travessia. Foi um grande sertão e algumas veredas, veredazinhas.

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