O jornal americano “The Washington Post” fez um blog com alguns jornalistas de vários países.
A idéia é que os editores do blog — ou qualquer um dos participantes — pensem um tema, e isso vire assunto para artigos. Quem participa escreve sobre o que se passa em seu país, ou sobre como sua sociedade está vendo determinada questão. Com isso, o jornal pretende dar uma visão mais global de certos assuntos.
Os nomes dos moderadores e do editor produtor já mostram a era global em que estamos: é David Ignatius, Fareed Zakaria e Amar Bakshi. Eles acham que “entender o mundo é um quebracabeças diário”. Por isso, há sempre surpresas por lá.
Outro dia, Christine Ockrent, uma jornalista multimídia francesa, fez uma maravilhosa definição da França. “Nós gostamos de nos ver como permanentes revolucionários, mas, na verdade, detestamos todas as formas de mudança.” Isso organiza a França: ao mesmo tempo, libertária e conservadora.
No comércio, é assim. Os franceses são os mais avessos a qualquer redução do protecionismo. Os ingleses propõem; os franceses vetam.
É assim internamente, quando os estudantes foram às ruas contra uma lei que flexibilizaria o mercado de trabalho para os jovens do primeiro emprego. Eles querem o que não existe mais no mundo de hoje: estabilidade no emprego.
Interessante o que William Gumede, um jornalista da África do Sul, escreveu sobre o seu país: deve um país, no qual falta tudo, investir tanto pra hospedar a Copa do Mundo de futebol? Ele, pessoalmente, acha correto investir, não só pela atividade econômica que um evento como esse proporciona, mas porque o país nunca discutiu se deveria investir nos torneios de rúgbi e críquete, esportes que atraem principalmente os brancos. São os negros, ele disse, que jogam, administram e assistem ao futebol.
Por que não investir para sediar um campeonato mundial desse esporte? O ângulo nacional num mundo tão globalizado é sempre surpreendente. O escritor húngaro Miklos Vamos escreveu outro dia sobre a decepção do seu país, que sempre se sentiu o melhor do Leste Europeu — mais importante, criativo e inteligente que os outros — e hoje se vê ultrapassado pelo sucesso dos vizinhos. Praga, por exemplo, floresce mais que Budapeste. O participante inglês, David Goodhart, faz uma pergunta inesperada: a Grã-Bretanha pode acabar? Referia-se ao país multinacional como existe hoje. É que a separação pode estar em questão se o partido próindependência da Escócia, o Partido Nacional Escocês, controlar o parlamento após as eleições de maio. Por ironia, a proposta será votada logo depois de se comemorarem 300 anos da fusão da Inglaterra com a Escócia, em 1707, que marcou o começo da moderna Grã-Bretanha.
Da Alemanha, governada por Angela Merkel, vem outra surpresa. O diretor da “Die Zeit”, revista semanal, Thomas Kleine-Brockhoff, diz que a maternidade virou refém de forças aparentemente opostas. Olha a complicação: as alemãs avançaram intensamente nas últimas décadas, como em vários outros países. O processo é até parecido com o nosso: superaram os homens em escolaridade, mas ainda são poucas nas chefias das grandes empresas. Uma só na lista das 30 maiores empresas alemãs. E elas ganham menos. Mas o excesso de vantagens do welfare state acabou bloqueando o avanço das mulheres. Políticos conservadores e verdes, por razões diferentes, defendem licenças cada vez maiores para as mulheres após a maternidade.
Isso bloqueia o caminho delas de volta ao mercado de trabalho. Mulher que persegue carreira é vista como “mãe cruel”.
Mundo, mundo, vasto mundo, e cada vez mais interessante.
Instada por Amar Bakshi, tenho participado de alguns painéis.
Um deles foi: quem são as forças emergentes na sua sociedade? Tentei pensar o Brasil daqui a 20 anos e me perguntei: quem terá mais poder? As mulheres, sem dúvida. Elas estão num processo mundial por mais poder e, no Brasil, já há uma chefe da Casa Civil mulher, há a presidente do Supremo. Muito mais espaço terão as mulheres na economia, na política, na vida intelectual brasileira daqui a 20 anos.
Os ambientalistas e defensores do meio ambiente terão muito mais espaço no Brasil no futuro. O assunto deixou de ser de uma tribo e tem apoio em várias áreas.
A emergência do tema não será uma onda passageira.
É do futuro do planeta que se fala, e o Brasil é a terra natal de 62% da maior e mais diversa floresta do mundo. Impossível ficarmos à margem dessa tendência universal.
Terceiro, tentando imaginar a cara da elite brasileira dentro de duas décadas, só se pode concluir que ela terá mais — e não menos — diversidade. Será mais negra, menos monocromática.
As diretorias executivas das 500 maiores empresas brasileiras, que reservam apenas 1,8% das suas cadeiras para os pretos e pardos do Brasil, terão que abrir mais espaço. Será natural.
Foi pensando nisso que perdi algumas das minhas aflições. Por exemplo: a briga entre os autodenominados desenvolvimentistas e os ambientalistas é obsoleta.
É óbvio que, olhando para o futuro, o debate já foi vencido pelos que defendem um tratamento mais racional e respeitoso da natureza.
Progresso digno do nome terá que pacificar esse falso dilema. O machismo também é resistência do velho. O novo, o avanço das mulheres, pode ser retardado, jamais detido. Convencime também de que, qualquer que seja o desvio do debate brasileiro de hoje, o processo de aumento do poder dos negros no Brasil também não será detido.
E se bloquearem o caminho das novas forças? Ora, a escolha será nossa.
Entrevista:O Estado inteligente
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