Com o Brasil ninguém pode
Deve ter ocorrido alguma conjunção dos astros singularmente favorável. Neste 13 de dezembro, as primeiras páginas dos jornais foram surpreendidas por um raro desfile de notícias estimulantes. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o jornalista Pimenta Neves terá de ruminar na cadeia o assassinato da ex-namorada Sandra Gomide. Vai juntar-se ao banqueiro Edemar Cid Ferreira, engaiolado horas antes. O Fisco multou em R$ 236,3 milhões, por crimes fiscais, a butique Daslu. Autoridades financeiras provaram que a fortuna movimentada por 260 chefetes do PCC era originária do tráfico de drogas.
No dia seguinte, as mesmas primeiras páginas mostraram que o Brasil voltara ao normal. A Justiça absolve 65% dos acusados de erro médico. O sistema de controle aéreo, devastado pela sovinice vesga da equipe econômica, não corre o risco de melhorar. A CPI dos Sanguessugas estendeu o cobertor da impunidade sobre bandidos de estimação. Em mais um Dia do Espanto, os leitores souberam que o Congresso Nacional perdeu o pouco de vergonha que lhe restava.
Com o jeitão blasé de quem examina o reajuste das mensalidades de um Clube dos Cafajestes, os integrantes das mesas do Senado e da Câmara, associados aos líderes das bancadas, aprovaram o maior aumento salarial da história do Parlamento: 91%. O ordenado subiu de R$ 12.847,20 para R$ 24.500. Quase dobrou.
Essa bolada já garante à turma o terceiro lugar no ranking dos mais bem pagos do planeta. Mas com o Brasil ninguém pode: somados os muitos ganhos adicionais, cada representante do povo embolsa, a cada 30 dias, mais de US$ 47 mil. Isso mesmo: dólares. Uma ousadia sem similares. Um recorde mundial.
Além dos salários (15 por ano), há os R$ 50 mil da "verba de gabinete", para o pagamento dos contratados sem concurso. Quase todos são parentes do chefe. Quem não mora em apartamento funcional recebe um "auxílio-moradia" de R$ 3 mil. Há também a "verba indenizatória" de R$ 15 mil. E quatro passagens aéreas.
Uma afronta a milhões de contribuintes, extorquidos pela carga fiscal de espantar agiota? Não, responde o presidente do Senado, Renan Calheiros, que não vê motivos para desconforto. "O aumento será compnesado com cortes nas despesas do Legislativo", fantasia o aliado de todos os governos. A seu lado, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, diz amém com movimentos verticais do queixo. Ele conhece todas as formas de dizer amém. O líder do PTB, deputado José Múcio, avisa que a desmoralizante ação entre amigos vai produzir efeitos fortemente moralizadores.
"Só uma remuneração satisfatória atrai homens sérios para o Congresso", argumenta Múcio, para quem só agora os pais da Pátria ganharão o que merecem. Pena que o aumento não tenha vindo antes da eleição. Como não veio, faltou gente séria na disputa. A próxima legislatura será igual à que vai terminando. Ou pior.
A última do Congresso não mereceu um só comentário do presidente, que apóia a reeleição de Renan Calheiros e Aldo Rebelo. Lula não mexe em time que está perdendo.
Cabôco Perguntadô
Um americano sem pressa
Embaixador dos EUA no Brasil entre 1961 e 1966, Lincoln Gordon está no capítulo 6 do seu livro de memórias. A um amigo brasileiro interessado em saber se já chegara ao golpe militar de 1964, o embaixador contou que ainda não saiu dos anos 50.
- Pretendo começar a falar do Brasil no capítulo 8, se possível ao longo do próximo semestre - informou.
Faltam cinco décadas de memórias, portanto, para que o depoimento chegue ao ponto final. Em setembro, Gorcompletou 93 anos.
Otimismo é isso aí.
Pregador no ministério
Na audiência com o ministro Waldir Pires, o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, tratou com franqueza do colapso do transporte aéreo. Contou que investigações conduzidas pelo TCU haviam constatado a erosão do sistema de controle de vôos, provocada por impiedosos cortes de verbas. É grave a crise, admitiu o ministro da Defesa. Nardes perguntou por soluções. "Reza, muita reza", respondeu o bom baiano.
Oremos, irmãos. Com Waldir no ministério, estamos nas mãos de Deus.
A altivez foi revogada
Para não aborrecer o venezuelano Hugo Chávez, o Itamaraty contempla em silêncio a sistemática intromissão do amigo de Lula nos assuntos internos de outros países. Para não irritar o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, os condutores da política externa reagem com a naturalidade dos cúmplices à tese segundo a qual o Holocausto é uma fantasia dos judeus. Para não prejudicar negócios na África, o Brasil se nega a condenar o governo do Sudão pelos massacres promovidos no Darfur.
O Itamaraty, quem diria, adotou a diplomacia do amém.
Yolhesman Crisbelles
A essa incriminação em grupo, que pretendia impor uma dialética decisionista para atingir em cheio uma comunidade indeterminada - na melhor versão do teórico Carl Schmitt, que namorou o nazismo - é que chamei de "método fascista".
O ideólogo do novo socialismo precisa ser traduzido para a linguagem de gente.