Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 17, 2006

AUGUSTO NUNES Sete Dias

Com o Brasil ninguém pode


Deve ter ocorrido alguma conjunção dos astros singularmente favorável. Neste 13 de dezembro, as primeiras páginas dos jornais foram surpreendidas por um raro desfile de notícias estimulantes. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que o jornalista Pimenta Neves terá de ruminar na cadeia o assassinato da ex-namorada Sandra Gomide. Vai juntar-se ao banqueiro Edemar Cid Ferreira, engaiolado horas antes. O Fisco multou em R$ 236,3 milhões, por crimes fiscais, a butique Daslu. Autoridades financeiras provaram que a fortuna movimentada por 260 chefetes do PCC era originária do tráfico de drogas.

No dia seguinte, as mesmas primeiras páginas mostraram que o Brasil voltara ao normal. A Justiça absolve 65% dos acusados de erro médico. O sistema de controle aéreo, devastado pela sovinice vesga da equipe econômica, não corre o risco de melhorar. A CPI dos Sanguessugas estendeu o cobertor da impunidade sobre bandidos de estimação. Em mais um Dia do Espanto, os leitores souberam que o Congresso Nacional perdeu o pouco de vergonha que lhe restava.

Com o jeitão blasé de quem examina o reajuste das mensalidades de um Clube dos Cafajestes, os integrantes das mesas do Senado e da Câmara, associados aos líderes das bancadas, aprovaram o maior aumento salarial da história do Parlamento: 91%. O ordenado subiu de R$ 12.847,20 para R$ 24.500. Quase dobrou.

Essa bolada já garante à turma o terceiro lugar no ranking dos mais bem pagos do planeta. Mas com o Brasil ninguém pode: somados os muitos ganhos adicionais, cada representante do povo embolsa, a cada 30 dias, mais de US$ 47 mil. Isso mesmo: dólares. Uma ousadia sem similares. Um recorde mundial.

Além dos salários (15 por ano), há os R$ 50 mil da "verba de gabinete", para o pagamento dos contratados sem concurso. Quase todos são parentes do chefe. Quem não mora em apartamento funcional recebe um "auxílio-moradia" de R$ 3 mil. Há também a "verba indenizatória" de R$ 15 mil. E quatro passagens aéreas.

Uma afronta a milhões de contribuintes, extorquidos pela carga fiscal de espantar agiota? Não, responde o presidente do Senado, Renan Calheiros, que não vê motivos para desconforto. "O aumento será compnesado com cortes nas despesas do Legislativo", fantasia o aliado de todos os governos. A seu lado, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, diz amém com movimentos verticais do queixo. Ele conhece todas as formas de dizer amém. O líder do PTB, deputado José Múcio, avisa que a desmoralizante ação entre amigos vai produzir efeitos fortemente moralizadores.

"Só uma remuneração satisfatória atrai homens sérios para o Congresso", argumenta Múcio, para quem só agora os pais da Pátria ganharão o que merecem. Pena que o aumento não tenha vindo antes da eleição. Como não veio, faltou gente séria na disputa. A próxima legislatura será igual à que vai terminando. Ou pior.

A última do Congresso não mereceu um só comentário do presidente, que apóia a reeleição de Renan Calheiros e Aldo Rebelo. Lula não mexe em time que está perdendo.


Cabôco Perguntadô

O Cabôco não consegue esquecer os US$ 10 milhões desperdiçados pelo governo no passeio espacial do coronel Marcos Pontes. O entusiasmo inicial - o Brasil mostrara ao mundo que, além de futebol e carnaval, tinha até astronauta - virou frustração quando Pontes pediu transferência para a reserva, disposto a ganhar dinheiro em terra, com palestras e seminários. O Cabôco pergunta: por que o dinheirão não foi usado para melhorar o salário e as condições de trabalho dos controladores de vôo?


Um americano sem pressa

Embaixador dos EUA no Brasil entre 1961 e 1966, Lincoln Gordon está no capítulo 6 do seu livro de memórias. A um amigo brasileiro interessado em saber se já chegara ao golpe militar de 1964, o embaixador contou que ainda não saiu dos anos 50.

- Pretendo começar a falar do Brasil no capítulo 8, se possível ao longo do próximo semestre - informou.

Faltam cinco décadas de memórias, portanto, para que o depoimento chegue ao ponto final. Em setembro, Gorcompletou 93 anos.

Otimismo é isso aí.


Pregador no ministério

Na audiência com o ministro Waldir Pires, o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União, tratou com franqueza do colapso do transporte aéreo. Contou que investigações conduzidas pelo TCU haviam constatado a erosão do sistema de controle de vôos, provocada por impiedosos cortes de verbas. É grave a crise, admitiu o ministro da Defesa. Nardes perguntou por soluções. "Reza, muita reza", respondeu o bom baiano.

Oremos, irmãos. Com Waldir no ministério, estamos nas mãos de Deus.



A altivez foi revogada

Para não aborrecer o venezuelano Hugo Chávez, o Itamaraty contempla em silêncio a sistemática intromissão do amigo de Lula nos assuntos internos de outros países. Para não irritar o iraniano Mahmoud Ahmadinejad, os condutores da política externa reagem com a naturalidade dos cúmplices à tese segundo a qual o Holocausto é uma fantasia dos judeus. Para não prejudicar negócios na África, o Brasil se nega a condenar o governo do Sudão pelos massacres promovidos no Darfur.

O Itamaraty, quem diria, adotou a diplomacia do amém.


Yolhesman Crisbelles

A taça da semana vai para o campeoníssimo Tarso Genro, pelo artigo publicado em edição recente da revista Carta Capital. Trecho:

A essa incriminação em grupo, que pretendia impor uma dialética decisionista para atingir em cheio uma comunidade indeterminada - na melhor versão do teórico Carl Schmitt, que namorou o nazismo - é que chamei de "método fascista".

O ideólogo do novo socialismo precisa ser traduzido para a linguagem de gente.

Arquivo do blog