Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 24, 2006

JOÃO UBALDO Natal sensacional

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Feliz Natal para todos nós. Este fim de ano tem sido animado e até já ouvi gente prevendo que o presidente, irritadíssimo porque o Brasil se recusa a obedecer a suas ordens de crescer imediatamente, vai ingressar na oposição, para denunciar tudo o que está errado neste país. Isso me renova as esperanças, porque, em matéria de oposição feroz, ele não tem concorrente, como sabemos. Claro que não vai mudar nada, mas pelo menos teremos uma voz em nosso favor, vamos manter o otimismo condizente com a estação.

Como a felicidade não pode ser completa, talvez o Natal dos deputados não seja tão dadivoso quanto eles pretendiam. Isso traz um certo dó, a sensação de que, no futuro próximo, a carreira de deputado não será sinônimo de vida mansa, sombra, água fresca e desconhecimento dos problemas do povo que eles dizem representar. Na verdade, talvez muitos, quem sabe a maior parte, já tenham consciência disso, tanto assim que vêm fazendo tudo para convencer o povo de que o Congresso não serve para nada e é apenas uma furna mafiosa de larápios, mentirosos, parasitas, delinqüentes e quase tudo mais de ruim que possa afetar a raça humana.

Preparam assim um belo prato para o nosso futuro. Um povo frustrado, deseducado, desesperançado, emigrante, inseguro, revoltado, tenso e em larga medida desamparado.

Acrescente-se a isso a um presidente de inquestionável carisma e crescente popularidade. Adicionem-se as circunstâncias políticas regionais e mundiais ao populismo do presidente.

Sem Congresso e com o Judiciário também malvisto pelos súditos, que teremos? Não gosto de pensar nisso e não gosto de quem gosta.

Mas o Congresso capricha. Agora mesmo, sabe-se que planejava comprar novos carros oficiais. Um país que vive na rabeira de praticamente todos os índices de desenvolvimento, dos humanos aos econômicos, tem os deputados mais bem pagos do mundo e mais cobertos de privilégios, a maioria dos quais absolutamente inconcebível em qualquer país decente, rico ou pobre. Desistiram na moita dos carros oficiais e alguns se mobilizam para combater a decisão de praticamente dobrar seus vencimentos (ou subsídios, ou estipêndios, ou que outros eufemismos achem para meter a mão na nossa grana com suposta elegância). Iam, sim, comprar novos carros oficiais, coisa que, nos países ricos, assombraria os próprios deputados.

Deve-se louvar a atitude responsável dos que resistiram à indecência, mas não se pode deixar de levar em conta que isso só aconteceu, que eu saiba, depois da manifestação de revolta de que praticamente todo o Brasil vem participando. Se não houvesse isso, não creio que, cegos ou anestesiados pelo poder, por mínimo que seja, de que dispõem, inclusive se escondendo por trás da covardia hipócrita do voto secreto em plenário, observassem limites de qualquer espécie para sua farra do boi — a farra sendo deles e a boiada sendo nós.

Não duvido nada, mas não duvido mesmo, até porque o QI de alguns me parece inferior ao de uma galinha retardada, algum gênio entre eles haja encontrado a solução para resolver o problema das passagens aéreas deles: um jatinho para cada um. Se ele apresentou essa proposta a alguns de seus pares, é provável, ainda no meu ver admito que bilioso, esses pares a tenham achado um pouco exagerada e a tenham limitado a um jatinho por partido, observada a cláusula de barreira, por uma questão de economia do dinheiro público.

Tampouco sou otimista quanto à real adesão da maioria dos parlamentares à reação contra o aumento indecente, que, junto ao que mais têm “direito”, faz sair, segundo leio, cada um por cerca de cem mil mensais.

Eles vão aderir se tiverem que mostrar a cara. Aí todo mundo vira santo, enquanto bola outro jeito de mamar na teta pública ou trambicar em função do cargo ou influência. Se não fosse a reação tão surpreendente para nós, que sempre agimos como empregados de um Estado que existiria para nos servir, não duvido nada (ainda me lembro com vividez da dançadinha daquela deputada Comoéo-nome dela) de que viessem a propor e aprovar a Terça-Feira Gorda de Carnaval do Congresso, com um baile lá no plenário. Com umas adaptações, deve dar.

Fico imaginando os congressistas aprovando o baile e fazendo as dotações orçamentárias para a realização, atraindo inclusive as simpatias de artistas convidados a participar ou a apenas aparecer sem calcinhas em algum canto do salão, essas coisas de celebridades. Posso imaginar a vibrante exposição de motivos do projeto: elevar bem alto a tradição da festa mais popular do Brasil; estimular a cultura, através da contratação de artistas de todo o país; proporcionar uma oportunidade rara de convivência com o povo, naquela que é a sua Casa por excelência. E, naturalmente, haveria um jetom para comparecimento ao baile, logo conhecido como Baile da Deputança (o que não deixa de descrever o que tem acontecido nesta última legislatura).

Fico imaginando o bloco Unidos do Mensalão, com o enredo “Da Denúncia e Confissão à Pizza — Tradição e Glória do Congresso Nacional”. E os concursos de fantasia, com a categoria luxo ganha pela deslumbrante “Esplendor das Mordomias em Cascatas” e a de originalidade pela “Político Pobre”, esta mais tarde desclassificada como uma contradição em termos inverossímil.

Ora, congressistas, vão cumprir sua obrigação, parem de debochar de quem os sustenta, vão trabalhar, se respeitem e nos respeitem. Ou vão se catar, enquanto não chega o dia em que finalmente tenham êxito e convençam a todos de que só servem para dar despesa e vergonha, devendo pois ser dispensados, assim acabando de infamar a mais nobre instituição da república e de assassinar nossa pobre democracia.

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