Anne-Sophie Mutter é a maior
estrela da música erudita. Será
que a bicicleta a ajudou a chegar lá?
Sérgio Martins
Tina Tahir/Deutsche Grammophon |
Anne-Sophie: a violinista precoce agora se aventura na regência |
Se o mercado de música erudita tivesse mais artistas como Anne-Sophie Mutter, ele certamente não passaria por sua crise atual. Para começar, a violinista alemã de 43 anos combina talento artístico e senso comercial. Anne-Sophie possui um vasto repertório, que vai de antigos a contemporâneos. Seu forte, porém, são os compositores do período clássico, como Mozart, que ela regrava de maneira inovadora. Ao longo de 2006, ela lançou três discos dedicados às obras do austríaco. No primeiro, Concertos para Violino, assumiu também a regência, à frente da Orquestra Filarmônica de Londres. O mais recente, dedicado às Sonatas para Piano e Violino, está sendo saudado como "definitivo". "Deixei de fora tudo o que remetia a precursores. Coloquei somente as composições que continham a essência mozartiana", disse ela a VEJA. Não atrapalha nem um pouco o fato de Anne-Sophie ser bonita. Adolescente rechonchuda, ela tornou-se um mulherão esguio e sabe aproveitar a silhueta: na capa de seus discos aparece despojada, usando jeans e camiseta, ou então enfiada em vestidos com profundíssimo decote.
Anne-Sophie tem boas histórias para contar. Ela foi pupila do austríaco Herbert von Karajan (1908-1989), o regente mais poderoso do século passado. Tinha 13 anos quando conheceu o maestro, e o conquistou logo de cara. "Ele era um homem irascível, mas o máximo que fez foi pedir, com muita educação, para que eu tocasse mais alto." Karajan fez com que a jovem instrumentista fosse incluída no cast da Deutsche Grammophon, companhia pela qual ela lançou boa parte de seus trabalhos. Ele também lhe ensinou a impor sua vontade. Nos anos 80, ela se envolveu num imbróglio com o maestro romeno Sergiu Celibidache, chefe da Sinfônica de Munique. Anne-Sophie não aceitou as orientações de Celibidache sobre o andamento de um concerto e abandonou os ensaios de maneira imperial.
O primeiro casamento de Anne-Sophie Mutter foi com o contador de Herbert von Karajan. Ele morreu em 1995. Em 2002, ela se uniu ao maestro e compositor alemão André Previn, 34 anos mais velho do que ela. Os dois se separaram em agosto passado, ao que tudo indica porque Previn é um namorador incorrigível. Anne-Sophie não gosta de falar sobre a vida íntima – e muito menos sobre a mutação em seu visual, realizada ao longo dos anos 90. Segundo a violinista, foi a prática do ciclismo que a deixou torneada. "Como mulher, fico lisonjeada com esses galanteios", diz Anne-Sophie. "Mas o mais importante da boa forma física é que ela me deixa forte e pronta para tocar Mozart."
"ODEIO DITADORES"
AO CONTRÁRIO DE MUITOS TALENTOS PRECOCES, A SENHORA, QUE COMEÇOU A CARREIRA AOS 13 ANOS, AINDA ESTÁ BRILHANDO. QUAL O SEGREDO?
O segredo é o prazer. Eu era uma menina de 13 anos que gostava imensamente de tocar. Estudar nunca era um sacrifício. Além disso, tive a sorte de encontrar alguém como Herbert von Karajan, que me encaminhou.
NOS 250 ANOS DO NASCIMENTO DE MOZART, O CRÍTICO INGLÊS NORMAN LEBRECHT O CLASSIFICOU COMO "REI DA MÚSICA DE ELEVADOR". O QUE PENSA SOBRE ISSO?
Que Deus perdoe Lebrecht, porque a comunidade artística vai levar cinqüenta anos para fazer o mesmo. Mozart foi um dos primeiros compositores a valorizar o violino e compor obras-primas para ele. Só isso já o credencia como gênio.
KARAJAN, SEU MENTOR, ERA MESMO UM MAESTRO AUTORITÁRIO?
Ele era menos tirano do que as pessoas pensam. Mais importante, era generoso: pense na quantidade de solistas e maestros que lançou. Hoje, apenas Kurt Masur tem essa grandeza. Trabalhei com maestros bem mais difíceis, como Celibidache. Ele foi incrivelmente grosseiro comigo e eu o deixei falando sozinho. Odeio ditadores.