Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 17, 2006

Miriam Leitão O outro lado do lado, lado de lá

Os intelectuais brasileiros ficaram ofendidíssimos com o presidente Lula pela declaração sobre a faixa etária da esquerda. Curiosamente, não reagiram às declarações do presidente contra os “letrados” durante a campanha eleitoral. Frases em que ele critica de forma subliminar a educação formal deseducam um país que estudou tão pouco e deveriam ofender e preocupar os professores.

O que ele disse sobre a idade para ser esquerda provocou uma reação exagerada.

Talvez Lula estivesse apenas tentando fazer referência ao velho dito popular sobre incendiários na juventude; bombeiros na maturidade.

Pensando bem, que idéias são de esquerda num mundo em que as categorias políticas foram subvertidas por acontecimentos radicais, como a queda do muro de Berlim, o sucesso capitalista da China, do Vietnã, e a ascensão ao patamar de ídolo da esquerda de um coronel que tentou golpe de Estado e quer se eternizar no poder? Existem poucas certezas em pé. Talvez apenas a diferenciação mais antiga: a de que os “de esquerda” são contra injustiças sociais e querem distribuir melhor a renda. Os “de direita” são refratários a mudanças no status quo.

Com essa idéia por critério, imagine uma triagem em políticas de esquerda ou de direita.

Indenização política milionária a ex-militantes é de esquerda ou de direita? Na maioria das vezes, foi concedida a pessoas da classe média ou da elite brasileira. Não as reparações concedidas para mostrar a responsabilidade do Estado no assassinato de adversários políticos do regime; concedidas não para enriquecer, mas para firmar princípios.

Falo das grandes indenizações calculadas com critérios discutíveis, seguidas de aposentadorias com valores muito maiores que as dos aposentados em geral. Para serem de esquerda, deveriam estar corrigindo injustiças sociais. Estão criando desigualdades.

Definitivamente, é uma política de direita.

A inflação era claramente de direita. Concentrava renda e distribuía desigualmente os custos da doença econômica: o peso maior cabia aos mais pobres. Os planos de estabilização tiveram a firme oposição do PT, partido que se imagina de esquerda. O presidente Lula, antes de ser eleito, fez oposição implacável aos planos de estabilização, mesmo o mais bem-sucedido deles.

O BNDES concede empréstimos aos empresários com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, e o faz com o seguinte critério: aos grandes empresários, os grandes empréstimos são concedidos diretamente, sem passar pela rede bancária. Aí fica mais barato.

Os pequenos e médios empresários têm que pegar o crédito na rede bancária, portanto, a um custo maior.

Isso é de direita ou de esquerda? A Universidade Pública tem dois papéis. Um de financiar a pesquisa e, nesse, não tem tido substituto no Brasil. Mas tem também tido o papel de dar ensino de terceiro grau, em geral, a jovens da classe média, num país com trágicas ineficiências do ensino fundamental.

Com ela, o Estado brasileiro gasta 12 vezes mais por aluno do que gasta com um estudante do fundamental.

A gratuidade para quem poderia pagar tem sido o quê, no espectro político? A privatização foi odiada pela esquerda brasileira tradicional, aquela que ficou amarrada a slogans e esqueceu o principal: que a função desse pensamento é o de defender a redução das desigualdades e lutar por uma distribuição mais justa dos frutos do progresso.

A privatização é uma complicação para ser enquadrada.

Por um lado, foi financiada pelo BNDES com recursos subsidiados. Dessa forma, favoreceu os compradores. Alguns compradores eram grandes bancos, grandes empresários, grandes fundos de pensão de trabalhadores das estatais que já têm privilégios na aposentadoria.

Por outro lado, ela reduziu o saque ao Estado: siderúrgicas vendiam aço subsidiado, quebravam e eram recapitalizadas pelo Tesouro.

Assim eram os bancos estaduais e as distribuidoras de energia. A telefonia estatal fornecia o serviço a uma minoria, a privatizada disseminou o serviço: o último número de celular é de 96 milhões de acessos.

Imagine aquele trabalhador por contra própria, o prestador de pequenos serviços.

Hoje, com celular acessível, ele tem uma carteira de clientes, aumentou suas chances de trabalho.

Tem mais renda. É de esquerda ou de direita este processo que criou renda e possibilidades ? E a idade mínima no INSS, o que é? Os mais pobres se aposentam mais tarde, por idade. Os que ganham mais estão no mercado formal e se aposentam por tempo de serviço, em qualquer idade. Rediscutir isso eleva ou reduz a desigualdade ? O aumento salarial autoconcedido pelos deputados e senadores é de direita porque um ex-collorido preside o Senado, ou de esquerda porque um comunista preside a Câmara? O mundo ficou mais complicado.

Não é a idade do pensador que determina a tendência política, mas também não são os velhos clichês, as velhas categorias de pensamento. Os intelectuais não estão separados por faixa etária. Já algumas velhas idéias, mesmo não parecendo, alimentam a desigualdade; outras ajudam a combatê-la. O que estava aqui agora está, como no verso de Caetano Veloso: do outro lado, que é lá do lado de lá.

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