Parece não haver dúvidas de que a ação das milícias nas favelas e comunidades carentes contra as facções criminosas que controlam o tráfico de drogas é a principal causa da onda de atentados cometidos no Rio nos últimos dias. O ex-secretário municipal Alfredo Sirkis, dirigente do Partido Verde, diz que não adianta olhar o fenômeno “com a postura clássica da turma do desarmamento, que não se dá conta de que a cada grau civilizatório corresponde um arcabouço institucional e legal, e que estamos, infelizmente, em plena regressão civilizatória”. Ele culpa “os mecanismos jurídicos extremamente lenientes” e as instituições policiais que não dão respostas adequadas às necessidades dos cidadãos, “situação que foi exacerbada pelos dois governos Garotinho”.
As milícias ocupam “esse vazio, inserindo-se no contexto da ‘lei de fato’ que existe nas comunidades, onde a ordem é mantida, a segurança das famílias e a propriedade defendida com ações e critérios que correspondem a um estágio civilizatório que o Brasil julgava ter superado, há muito tempo, mas que, de fato, não superou, nessas áreas pelo menos”.
A situação remete “à autodefesa, à mobilização de cidadãos armados para defender suas famílias e outras imagens do Velho Oeste”. Alfredo Sirkis define as milícias como uma ação de “policiais que moram nessas comunidades ou em áreas vizinhas e, junto com outros moradores que não agüentam mais os desmandos das facções criminosas”, resolvem “equacionar” a carência de uma presença militar permanente nessas comunidades “que uma polícia ‘de bico’ com escala de 24 horas de trabalho por 72 horas de folga dificilmente terá condições de garantir”.
Ele admite que as milícias “são uma faca de dois gumes e tendem a se desdobrar em uma estrutura do tipo mafioso, mas neste momento é o que tem funcionado num numero crescente de comunidades que querem se ver livres dos baronatos da cocaína e das AR-15”. Para o prefeito Cesar Maia, as ações tiveram “um foco claro e definido: policiais, postos policiais, delegacias, quartéis.
Uma ocorrência trágica com um ônibus interestadual só se explica pelo fato de os bandidos estarem drogados”.
A razão seriam os grupos paramilitares que têm ocupado comunidades onde antes imperava o tráfico de drogas.
“Seu motor de auto-estima e motivação é expulsar radicalmente o tráfico e o consumo de drogas nessas comunidades.
Não há necessidade de dizer que sua permanência passa a ser desejada pelas comunidades”, analisa Cesar Maia. E, nesse raciocínio, para que haja interesse deles na permanência, os paramilitares “vão além dos pequenos pedágios e passam a cobrar outros tipos de pedágio do comércio, passam a controlar vans e kombis, cobrar uma taxa pelo gás, pela TV a cabo, etc... Estima-se que com isso elevem seus ganhos mais ou menos dez vezes em relação a seus salários”.
O prefeito diz que “a facilidade com que deslocam os traficantes mostra que não é por nenhuma razão sofisticada (inteligência policial, investigação) que os traficantes não são reprimidos. A razão é uma só: renda. Ou motivação profissional”. Cabe ao governo, segundo ele, dar “respostas práticas em curto prazo, direcionadas a ampliar a percepção de proteção por parte da população. Isso só se consegue aumentando muito o policiamento ostensivo. Isso se faz aumentando a jornada e substituindo o bico fora pela jornada maior, dentro”.
O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira acha que um dos objetivos dos atentados é “paralisar a expansão de milícias paramilitares e paralegais que, através da cobrança de uma ‘taxa de segurança’ — no mais imposta por duros atos de violência —, estão substituindo o poder público constituído enquanto garantia de ordem e segurança cidadã”. Mas ele questiona “se é possível crer na emanação de segurança de um ato de violência originada para além da violência reguladora e normativa, que deveria ser monopólio exclusivo do Estado”.
Para ele, a ação de milícias e cartéis “caracteriza classicamente uma ameaça ao estado de direito sob o regime representativo existente, o que configura imperiosamente tais ações como ato político”.
Ao contrário do prefeito, o professor não vê no caso da morte dos sete passageiros do ônibus incendiado um desvio do objetivo central, mas “um ato político baseado no uso de extrema violência visando questionar atos, preceitos e o ordenamento do Estado”, o que caracterizaria “um ato de terror”.
Os alvos dos atentados teriam explicações dentro dessa lógica terrorista: “de um lado, as vítimas imediatas, transeuntes, passageiros do sistema de transporte coletivo ou simplesmente pessoas escolhidas ao azar — caracterizando claramente a busca do ‘efeito psicológico do terror’ ou, conforme Jean Paul Sartre, ‘a mística do terrorismo’ (‘onde ocorrerá o próximo ataque?’, espalhando a sensação de insegurança e medo no conjunto do tecido social — alma da ação terrorista)”.
Também são vítimas representantes do Estado “e, neste caso, para além da mística do terror, impõe-se uma ação de paralisia do poder público, num confronto aberto entre uma violência não sancionada pelo ordenamento jurídico do país e as condições de reação do Estado baseada no monopólio da violência”.
Para o professor Francisco Carlos Teixeira, “trata-se de um aviso prévio ao poder público, ante uma série de decisões tomadas pelos novos governantes visando a combater o crime organizado (acordos interestaduais, nomeação de delegados federais, reorganização administrativa e financeira, etc)”. Seria uma chantagem, visando convencer o poder público de que é mais barato politicamente tolerar o crime organizado nos seus nichos do que oferecer um real combate.
Apesar de tudo, feliz 2007 para todos.
Entrevista:O Estado inteligente
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