Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 29, 2006

Rio de Janeiro Terror na cidade

O terror toma conta do Rio
Fotos Ernesto Carriço/Ag. O Dia/AE
Ônibus incendiado na Avenida Brasil e o socorro a um dos passageiros queimados: cenas de guerra nas ruas do Rio de Janeiro

NESTA REPORTAGEM
Quadro: O mapa dos ataques

Organizada como nunca, a bandidagem do Rio de Janeiro mais uma vez fez a população de refém, à sombra da incompetência das autoridades de segurança pública, na última semana de 2006. Embora o setor de inteligência da polícia estadual garanta que sabia da intenção dos traficantes ligados à facção criminosa Comando Vermelho de promover uma onda de terror na cidade, o que se viu na semana passada foi uma reação aparvalhada e cidadãos em pânico. Até de uma reunião de traficantes realizada na favela da Mangueira, para o planejamento da operação, os responsáveis pela segurança disseram que tinham conhecimento – sem explicar, porém, por que permitiram que ocorressem os ataques que deixaram nove civis e dois policiais mortos, além de mais de trinta feridos. Até o início da noite de quinta-feira, dia 28, onze ônibus haviam sido incendiados. Foram alvejados postos policiais, delegacias, agências bancárias e lojas de departamentos. Temendo a onda de violência, boa parte do comércio fechou as portas mais cedo, e órgãos públicos dispensaram seus funcionários. Os ataques organizados na Mangueira foram ordenados por traficantes presos no complexo penitenciário de Bangu, na Zona Oeste. Ao levantarem as razões dos atentados, as autoridades fluminenses demonstraram o estado de sua desorganização, com versões conflitantes. A mais plausível, no entanto, é que tenham sido uma reação à guerra que milícias formadas por policiais vêm travando com os traficantes cariocas, para tomar-lhes os territórios.

Wilton Junior/AE
Ônibus incendiado na Avenida Brasil e o socorro a um dos passageiros queimados: cenas de guerra nas ruas do Rio de Janeiro
Fotos Ernesto Carriço/Ag. O Dia/AE

A ação dos bandidos começou no fim da noite de quarta-feira e se estendeu pela madrugada e manhã da quinta. Divididos em "bondes" (comboios de traficantes armados), eles saíram de várias favelas para aterrorizar a cidade. O caso mais dramático foi o de passageiros de um ônibus que passava pelo Rio, seguindo de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, para São Paulo. O veículo, com 28 passageiros, foi interceptado por um bando de trinta traficantes na Avenida Brasil. Os criminosos atearam fogo ao ônibus, e sete dos passageiros, a maioria idosos, não conseguiram escapar. Morreram carbonizados. Os corpos só poderão ser identificados por exame de DNA. Em Botafogo, na Zona Sul da cidade, os bandidos mataram, a tiros de fuzil, uma vendedora ambulante e atingiram na cabeça seu filho de 6 anos.

A crise na segurança pública não é exclusividade do Rio de Janeiro. Mas é nesse estado que se percebe com clareza quanto a ineficiência do governo pode agravar o problema. Numa situação de penúria produzida por sua própria administração, a governadora Rosinha Garotinho fez cortes orçamentários impensáveis. Nos últimos meses, até os telefones celulares de autoridades policiais foram devolvidos às operadoras, por falta de pagamento. Nas esquinas, carros de patrulha ficam estacionados porque não têm combustível e, em alguns casos, nem estão funcionando. Os bandidos, claro, sabem disso. Uma característica da noite de terror promovida pelos traficantes foi o "tiro ao pato", que no linguajar deles significa atirar em policiais que fazem patrulhamento em pontos fixos, o que os transforma em alvos fáceis. Foi o que aconteceu com um PM que estava de prontidão na avenida que cerca a Lagoa Rodrigo de Freitas – morto com doze tiros.

Celso Meira/Ag. O Globo
Cabine da PM em Botafogo: marcas do ataque

A incompetência da governadora coroa três décadas de desgoverno a que o estado do Rio de Janeiro foi submetido. Refém de políticos populistas e policiais corruptos, a população carioca presenciou um crescimento desmesurado do tráfico de drogas. O símbolo dessa decadência é a própria favela da Mangueira, convertida nos últimos anos em covil do tráfico. Ali foram arquitetados os ataques da semana passada. É de lá também que os traficantes controlam a venda de drogas em boa parte da Região dos Lagos e municípios da região metropolitana do Rio. Outro fato que ilustra bem a crise é a expansão de milícias formadas por policiais, bombeiros e pelos próprios moradores de favelas – e que estaria na origem dos crimes da semana passada. Com a falência da polícia, esses grupos vendem segurança a comerciantes e moradores, matam traficantes e acabam por substituí-los no comando do terror.

Para terminar com chave de ouro seu mandato, a governadora Rosinha Garotinho afirmou que, para fazer frente aos criminosos, não aceitaria ajuda nenhuma de Brasília. Justificou a decisão lembrando que o governo de São Paulo recusou auxílio federal quando o PCC paralisou a capital paulista, em maio. Como se dois erros produzissem um acerto. Rosinha nem sequer cogitou comparar o orçamento paulista para a segurança, de 7 bilhões de reais, com os magros 2,1 bilhões que ela mesma destinou a sua polícia. Se o governador Cláudio Lembo fez bobagem, com mais dinheiro, ela também quer essa prerrogativa. A julgar pela forma como agiram, os bandidos cariocas aprenderam com os meliantes do PCC paulista. Rosinha e seus colaboradores não aprenderam nada.

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