Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 26, 2006

O apagão aéreo (nos EUA) Rubens Barbosa


Nos EUA, duas décadas e meia atrás, em 3 de agosto de 1981, cerca de 13 mil controladores do tráfego aéreo entraram em greve, ocasionando um grande problema logístico para a população e para a economia norte-americanas. A greve teve como principais razões questões econômicas, como salários, estresse no relacionamento entre o órgão estatal que comandava o setor aéreo (FAA, equivalente à Anac) e os controladores, e também de gestão pública.

Na época se deu muita ênfase à questão salarial, mas, na realidade, a principal reivindicação era a mudança na forma de tratamento por parte da FAA em relação à categoria, o que acarretava problemas psicológicos nos controladores. O sindicato que comandou a greve procurava, assim, obter melhores condições de trabalho, maiores salários e a redução da carga horária para uma semana de 32 horas.

Os sindicalistas chegaram a pensar que poderiam paralisar o sistema aéreo dos EUA e usar isso como moeda de troca para o atendimento de suas reivindicações. Tecnicamente, a greve era ilegal, pois desrespeitava a legislação que proibia esses movimentos no âmbito do serviço público.

A reação de Washington foi rápida e eficiente, como era de esperar em circunstância dessa gravidade.

O presidente Ronald Reagan, no mesmo dia do anúncio da paralisação do trabalho, assumiu pessoalmente o comando das providências e fez pronunciamento público nos jardins da Casa Branca, televisionado para toda a nação, declarando a greve ilegal por representar um perigo para a segurança nacional. Reagan, ao referir-se à decisão tomada pelo sindicato, fez menção ao compromisso assumido pelos controladores de não entrar em greve contra o Estado. Disse que a lei havia sido violada e deu um prazo de 48 horas para que eles retornassem ao trabalho. Não deixou de registrar que, mantida a greve, os contratos dos controladores seriam terminados e eles seriam sumariamente demitidos do serviço público.

Como as reivindicações dos controladores eram públicas e a ameaça de greve era de conhecimento geral, o governo havia tomado suas providências acautelatórias oportunamente. O prazo de 48 horas foi concedido para permitir a substituição dos controladores por outros que haviam sido treinados secretamente. Nesse período, pelas medidas tomadas, somente 20% do tráfego aéreo havia sido afetado.

No dia 5, havendo fracassado as negociações e não tendo havido a suspensão da greve e o conseqüente retorno dos controladores ao trabalho, o presidente Ronald Reagan demitiu 11.359 controladores de tráfego aéreo grevistas e proibiu que eles pudessem ser readmitidos no serviço público federal. A greve representou a maior derrota sindical nos EUA em 60 anos.

Os grevistas foram substituídos inicialmente por controladores não afiliados ao sindicato, supervisores, pessoal de serviço e, em alguns casos, por controladores transferidos temporariamente de outros lugares. Alguns militares substituíram os civis enquanto estes estavam sendo treinados.

Os problemas com os controladores de vôo nos EUA não terminaram. As pendências continuam até os dias de hoje, mas as situações de crise são contornadas com o menor custo possível para a população e para a economia do país.
A maior crise da história do transporte aéreo nos EUA deveria servir de exemplo e de ensinamento para a gerência de crises no setor:

Liderança do próprio presidente para a solução do problema, dada sua gravidade; resposta rápida para um problema com seriíssimos impactos sobre a população - que nada tem que haver com o problema - e sobre a economia num país das dimensões dos EUA;
gestão eficiente do governo, que demonstre que as autoridades estão preparadas para situações de crise e possam antecipar problemas, com planos de emergência, como foi feito com o treinamento secreto de controladores para substituir os grevistas; exercício da autoridade para poder tomar decisões difíceis a fim de fazer cumprir a lei; coragem para invocar os riscos para a segurança nacional, com o objetivo de evitar que a crise se possa estender.

Ao lembrar o acontecido nos idos de 1981, não se pode deixar de notar as semelhanças com a atual crise entre os controladores de vôo e sua associação e a Anac e o governo: os atores são os mesmos e são os mesmos problemas - salários, estresse e gestão. Evidentemente que há diferenças importantes: nos EUA, o controle do tráfego aéreo está nas mãos de civis e os controladores são sindicalizados; no Brasil, a Aeronáutica é a responsável pelo espaço aéreo e os controladores são parcialmente sindicalizados, já que os militares não podem associar-se.
Não é por acaso que evoco o que aconteceu há 25 anos no país com o maior tráfego aéreo do mundo e recordo como o governo dos EUA gerenciou a crise, minimizando os efeitos negativos sobre a economia e sobre a vida dos usuários.

Talvez a análise de como o governo de Washington administrou o apagão aéreo e as lições dela extraídas possam ajudar a resolver a maior crise do setor aéreo nacional, que já dura mais de dois meses e que só adquiriu a dimensão atual pela ocorrência da maior tragédia aérea de nossa História.

Em 10 de dezembro, o governo brasileiro avaliou publicamente que a crise dos aeroportos havia terminado e que agora o Brasil vive o rescaldo das coisas que aconteceram anteriormente. Agora, a Anac repete que a crise acabou.

Nesse período de festas natalinas, os fatos contradizem o otimismo oficial e novos problemas aparecem, agravando o quadro geral. Persiste o problema de gestão, a operação tartaruga continua, os aeroportos estão congestionados e caóticos, todos os vôos saem atrasados, a desinformação aumenta, o problema com as companhias aéreas desvia o foco das responsabilidades não assumidas e não se vê como superar as dificuldades.
Quem sofre é o usuário.
E nem as rezas ajudam...

Rubens Barbosa, consultor, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador do Brasil nos EUA e na Grã-Bretanha

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