De um perigo, tudo indica, o país está a salvo: Lula já se convenceu de que tem de controlar a inflação se quiser continuar tendo popularidade.
“A inflação não vai voltar, a estabilidade econômica e a Lei de Responsabilidade Fiscal são compromissos para o segundo mandato”, garantiu ele na entrevista de fim de ano, sexta-feira.
Embora esse entendimento não o impeça de aumentar os gastos do governo, ele não transige no equilíbrio fiscal, nem convive com a tese de que um pouco mais de inflação pode ser bom para a economia do país crescer.
O problema é que ele também parece estar convencido de que, para manter sua popularidade em alta, tem que continuar distribuindo bondades e, por isso, o pacote econômico teve que ser adiado, para que a equipe econômica encontre uma maneira de compensar os gastos com o aumento do salário mínimo e a correção da tabela do Imposto de Renda.
O presidente foi claro com relação à sua política para salário mínimo: — Todo ano vai ter um pouquinho, todo ano vai ter um pouquinho, todo ano vai ter um pouquinho. Todo ano vai ter um pouquinho enquanto eu for presidente.
De “pouquinho em pouquinho”, nos últimos 12 anos, o salário mínimo teve um aumento real acumulado de 94%, o que provocou impacto direto no rombo da Previdência. Mas o presidente Lula não está convencido de que o aumento do salário mínimo interfira na capacidade de o Estado investir e, portanto, no seu crescimento: “Não está colocado esse sofrimento todo, ou aumenta o mínimo ou cresce a economia”.
Para ele, o salário mínimo continua sendo “a melhor forma de distribuição de renda que o país faz”. Os dados indicam, no entanto, que já atingimos o máximo que o aumento real do salário mínimo pode provocar na queda de desigualdade.
Um estudo do economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de janeiro, mostra que a grande queda da desigualdade de 2004 ocorreu entre maio e setembro daquele ano, quando o salário mínimo teve um aumento real bastante reduzido. “Portanto, parece, foram outros fatores, fora o efeito-salário mínimo, que geraram a redução da desigualdade renda em 2004”, pondera o estudo.
Uma análise da série mensal dos salários mostra os efeitos “desapontadores” dos reajustes do salário mínimo em relação a outras datas, como o de maio de 1995. “A série de desigualdade de renda per capita do trabalho não sofre alterações permanentes próximas ao período de reajuste”, ressalta o estudo da FGV. Os possíveis efeitos positivos do mínimo sobre o salário de quem mantém o posto de trabalho, segundo o estudo, parecem ter sido cancelados em 2005 pelos efeitos negativos, exercidos pelo mínimo sobre desemprego e informalidade.
“Uma conjectura é que o ganho de mais de cerca de 75% concedido entre 1995 e 2003 tenha aumentado a efetividade do salário mínimo, fazendo com que ele esteja próximo dos valores que tenham impacto líquido favorável de queda da pobreza trabalhista. Em outras palavras, talvez estejamos próximos do valor máximo do mínimo em termos de impactos favoráveis na pobreza sob a ótica trabalhista”, é a conclusão do trabalho do economista Marcelo Néri.
Da maneira como o panorama político atual se configura, com o presidente Lula bastante popular sem precisar fazer grandes esforços e os políticos desmoralizados, temos um futuro incerto pela frente neste segundo mandato. O cenário mais provável é o que os analistas estão chamando de “mais do mesmo”, isto é, tudo continuar mais ou menos na mesma mediocridade, o que combina com um Ministério de continuísmo, sem grandes nomes que possam influir e ajudar o presidente nas políticas de governo.
O pior de todos os cenários seria o Congresso desmoralizado e Lula cada vez mais com nostalgia do modelo chinês, “onde todos obedecem”, como comentou recentemente. Ele tem culpado as barreiras burocráticas, as barreiras ambientais, lamentando que as decisões tomadas não tenham rápida implementação.
O candidato que dizia que a simples vontade política resolveria todos os problemas do país, deu lugar ao presidente que hoje se diz “mais maduro, mais consciente”.
Lula diz que hoje sabe onde as coisas emperram.
“Há coisas travadas por lei, por práticas políticas, por vícios (...) Nós precisamos desburocratizar o sim e o não”, disse na entrevista.
Está certo na teoria, mas deveria pensar em uma ampla reforma administrativa do Estado brasileiro, e não sentir saudades de modelos autoritários, se quer mesmo que o país cresça sem embargos burocráticos.
Uma declaração de Lula define bem seu espírito para o segundo mandato: “Estou cada vez mais convencido de que não é possível governar este país apenas com a racionalidade dos números, apenas com a racionalidade do nosso cérebro.
É preciso que haja uma combinação entre a racionalidade do cérebro e a racionalidade do coração”.
Faz sentido para a média da população, e é sem dúvida uma expressão de compromisso com os mais desvalidos da sociedade.
Explica também sua alta popularidade.
A questão é que, ao enfatizar essa combinação entre cérebro e coração, Lula age como se outras formas de governar, com a redução do Estado e as reformas estruturais, que permitem que se chegue ao crescimento sustentado da economia, são formas cruéis que usam apenas os cérebros dos técnicos em detrimento do coração generoso.
Feliz Natal a todos.
Entrevista:O Estado inteligente
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