Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Álvaro Lins: relações suspeitas

Todo mundo sabia...

...que o ex-chefe da Polícia Civil do Rio
tinha relações com bandidos. Só agora
caiu a ficha. Por quê?


Lucila Soares

Tasso Marcelo/AE
"Estou ligando para agradecer aí a ajuda, a torcida, todo o trabalho de vocês."
Álvaro Lins, ex-chefe da Polícia Civil, agradecendo o apoio de bicheiros a sua candidatura a deputado estadual

O delegado Álvaro Lins dos Santos, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, tinha tudo para romper o ano de 2007 em festa. Candidato pelo PMDB, foi o quinto deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro, com 108.000 votos. Mas a virada deste ano será, em sua vida, um daqueles réveillons que se tem vontade de riscar do calendário. No dia 15 de dezembro, data de sua diplomação como deputado, a Polícia Federal deslanchou duas operações contra a banda podre da polícia do Rio de Janeiro. Em uma delas, batizada de Operação Gladiador, foram expedidos 45 mandados de prisão contra a máfia dos caça-níqueis. Entre os nomes estavam o do próprio Lins e o de quatro inspetores da Polícia Civil que trabalharam diretamente com ele. O ex-chefe da Polícia Civil não foi preso porque, como deputado diplomado, goza das prerrogativas do Poder Legislativo, entre elas a do foro privilegiado (veja quadro).

Seus ex-colaboradores são conhecidos como "inhos", por usarem seus nomes sempre no diminutivo. Rogério Augusto de Brito, Jorge Luiz Fernandes, Fábio Menezes de Leão e Hélio Machado da Conceição são acusados de, sob as ordens de Lins, vender segurança às duas maiores quadrilhas da máfia, chefiadas por Fernando Iggnácio e Rogério Andrade, genro e sobrinho do bicheiro Castor de Andrade, morto em 1997. O grupo é acusado de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e ligação com o crime organizado. Todos tiveram suas ligações telefônicas interceptadas ao longo de sete meses, com autorização da Justiça. Numa delas, do dia 3 de outubro, Lins aparece agradecendo a um funcionário de Rogério Andrade o apoio a sua campanha.

O episódio demonstra que o envolvimento de policiais militares e civis com o crime organizado no Rio de Janeiro ultrapassou há muito os limites das duas corporações. A tolerância com essa promiscuidade é marca da política fluminense e, nos governos do casal Garotinho, chegou ao paroxismo. Álvaro Lins é dono de uma carreira meteórica. Formado pela Pontifícia Universidade Católica, é jovem (completa 40 anos em julho) e vem galgando postos na hierarquia do governo do Rio desde o mandato de Marcello Alencar (1995-1998). É profissional bem preparado, mesmo na opinião de seus desafetos. Sua ascensão, no entanto, não seria possível sem a permeabilidade das fronteiras entre o crime e o poder público que existe no Rio.

Em 1994, quando Lins era um jovem tenente da Polícia Militar, seu nome apareceu, junto com o de outros 45 oficiais da PM, na lista dos policiais que recebiam propina do bicho, no rumoroso estouro da fortaleza de Castor de Andrade. Isso não impediu que fosse colaborador prestigiado por Marcello Alencar, em cujo governo trabalhou no Gabinete Civil, foi chefe-de-gabinete da Secretaria de Trabalho e acabou delegado adjunto da Divisão Anti-Seqüestro. Cobrado pela nomeação, Alencar disse que Lins estava sendo vítima de um "linchamento moral" e encerrou o assunto. No governo de Anthony Garotinho, foi nomeado chefe da Polícia Civil, cargo que manteve no governo Rosinha e só deixou para se candidatar à Assembléia Legislativa do Rio. Isso apesar de a governadora ter sido avisada pelo então secretário de Segurança, Marcelo Itagiba (hoje deputado federal eleito pelo PMDB), de que pesava contra ele a suspeita de envolvimento com a máfia dos caça-níqueis. Não havia provas, é verdade. Mas os indícios eram fortes, a ponto de Itagiba ter encaminhado o caso para investigação pela Polícia Federal. Entre esses indícios está o padrão de vida de Lins e de seus amigos, muito acima do que seus salários permitem. O ex-chefe da Polícia Civil, por exemplo, vive num apartamento de 1,2 milhão de reais, em Copacabana (que está registrado em nome de sua sogra). É, portanto, no mínimo estranho que a governadora o tenha mantido à frente da Polícia Civil até que ele, por vontade própria, decidisse deixar o cargo para se candidatar à Assembléia Legislativa. Em seu discurso de despedida, em 31 de março, Lins citou Rui Barbosa. Lembrou que "ele ensinava que quando um homem público caminha é o seu passado que chega na frente". Não podia ter sido mais profético.

CIDADÃOS MUITO ESPECIAIS

Paulo Maluf, deputado federal eleito, na cerimônia de sua diplomação: a maior parte dos processos vai para o STF

Álvaro Lins poderia estar preso ou foragido, se não tivesse sido diplomado como deputado estadual. Depois da diplomação, no entanto, deputados e senadores passam a ter direito a foro por prerrogativa de função, também chamado de foro privilegiado. Ou seja, no caso de deputados federais e senadores, o direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, e no dos estaduais, pelo Tribunal de Justiça. O mesmo acontece com outros eleitos, como Paulo Maluf, o deputado federal mais votado do Brasil. Maluf é acusado de desviar recursos de obras públicas durante sua gestão como prefeito de São Paulo (1993-1996) e enviar ilegalmente o dinheiro roubado para contas no exterior. Responde a processos na Justiça comum por corrupção, improbidade administrativa, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Depois que foi diplomado, a maior parte das ações tramitará no Supremo. O julgamento pelo STF pode até ser mais eficaz na punição dos culpados. A questão é que nunca um parlamentar foi punido nessa instância, o que faz com que o foro privilegiado acabe adquirindo ares de impunidade. Essa figura jurídica está prevista na Constituição Federal e é parte do arcabouço da imunidade parlamentar. Criada como instrumento para garantir a independência do Legislativo, algo imprescindível ao pleno exercício da democracia, a imunidade passou a impedir a punição de criminosos – alguns, aliás, se candidatam justamente com esse objetivo. Nos Estados Unidos, só os embaixadores têm direito ao foro privilegiado.

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