Em suas falas oficiais, presidente demonstra espontaneidade ao deixar seu linguajar acessível a todas as classes sociais
Para especialista em análise de discursos da UnB, Lula utiliza sua capacidade de dizer o que sente, fazendo isso de forma inconsciente
EDUARDO SCOLESE
PEDRO DIAS LEITE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O "dado concreto" é que "nunca na história deste país" um presidente esteve tão "convencido" de que não existe "mágica na economia", seu governo está fazendo uma "revolução na educação" e o "século 21 será da América Latina" -e tudo isso é "extraordinário".
Os termos e as expressões acima são algumas das mais comuns nas 1.127 falas oficiais, a maioria delas de improviso, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez até o último dia 15 em seu mandato.
Em discursos, pronunciamentos ou declarações, ele recorreu a elas centenas de vezes para embasar sua retórica, diante de platéias tão distintas quanto sem-terra e banqueiros, seja em lançamentos de obras ou balanços de programas.
A média de Lula é próxima a um discurso a cada dia útil da semana. Já houve casos em que o petista falou ao microfone por quatro vezes num intervalo de 12 horas. Neles, adotou artifícios retóricos, amparou-se largamente nas metáforas, principalmente nas futebolísticas, e demonstrou habilidade oratória e espontaneidade ao deixar seu linguajar acessível a todas as classes sociais.
Mas a quantidade de improvisos e de discursos longos, alguns deles com mais de 40 minutos, também acarreta inconvenientes ao presidente, como gafes, inflação de ações e de promessas de governo e descontrole nos ataques à mídia e à oposição. Na semana passada, por exemplo, Lula causou reação negativa em políticos, acadêmicos e personalidades ao dizer que pessoas com mais de 60 anos que permanecem de esquerda têm problemas.
Vocabulário
Expressões como "dar um cheiro", "bala na agulha", "nego pisa na canela", "café no bule" e "colher de chá" são comuns em suas falas, assim como locuções latinas, como "sine qua non", "pari passu" e "sui generis", e um vocabulário específico no qual busca uma sintonia com os presentes, como "bagrinho", "cascudo", "cavoucar", "desgramado", "véio", "véia", "jumbão", "léguas", "matutando", "taco" e "urucubaca".
Lula, por exemplo, repete que "dor de dente é coisa de pobre" e somente são contra a transposição das águas do rio São Francisco aqueles que abrem a geladeira e têm "água francesa Perrier".
Para Célia Ladeira, 60, professora da Faculdade de Comunicação da UnB (Universidade de Brasília) e especialista na análise de discursos, Lula adquiriu um vocabulário próprio ao longo dos anos e o utiliza de forma empírica em suas falas como presidente.
"Não há falsidade em seu jeito de se expressar. De tanto ouvir ou de ler o que foi escrito por seus conselheiros, ele adquiriu um vocabulário próprio, se colocando no mesmo nível social das pessoas."
Em cima de um palanque, Lula se transforma, principalmente em eventos com a presença de sindicalistas, metalúrgicos e movimentos sociais. É comum iniciar um discurso num tom de voz baixo, prometendo falar pouco e garantindo que apenas lerá algumas palavras sem atacar ninguém.
Mas, passados alguns minutos, o presidente joga o texto fora, discursa aos gritos e de improviso e, em clima de histeria dos presentes, ataca ferozmente seus opositores. "Ele utiliza essa capacidade de dizer o que sente, fazendo isso de forma bem inconsciente, primitiva e autêntica. Outros políticos tentam fazer o mesmo, mas com um objetivo calculado de adotar o estilo para conseguir algo em troca", diz a professora.
Até o portunhol chegou aos discursos. Na América Latina, para buscar aproximação com os presentes às solenidades, Lula costuma usar palavras em castelhano. Exemplos: "Tinham o direito de gritar que estavam com hambre [fome], mas não tinham o direito de comer" e "Vim aqui [na Venezuela] em 2003. Hace [faz] três anos, esta ponte estava apenas começando".
Inês Signorini, 55, professora de lingüística aplicada da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirma que Lula se convenceu de que seu modo de falar é adequado e, ao longo dos anos, foi aprimorando seu estilo, sem vestir uma máscara.
"A língua dele está em processo, agregando palavras", diz a professora, que afirma enxergar uma evolução nas falas de Lula, numa comparação com tempos de sindicalismo e de candidato petista nos anos 80 e 90. "Hoje as frases fluem mais, e ele erra menos gramática. O trunfo dele é essa linguagem complexa", declara.
Lula tem o costume de brincar com o público quando adota termos novos. Foi assim, em julho passado, em um evento sobre biodiesel no Planalto, ao falar sobre o trabalho de "transesterificação". "Eu passei três meses para aprender a falar essa palavra sem gaguejar", disse.
Entrevista:O Estado inteligente
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