Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Celso Ming - A ameaça chinesa




O Estado de S. Paulo
27/12/2006

Por mais espantosas que sejam, se forem insistentes, as notícias acabam deixando de impressionar. Assim aconteceu, ao longo dos dois últimos anos, com as informações sobre corrupção de políticos no Brasil. No Congresso teve mensalão, dólar-na-cueca, sanguessugas, aloprados, pouca-vergonha e pizza para todos os gostos - e as pessoas acabaram se acostumando com o bombardeio do noticiário.

Quando se fala da China, as informações são de outra natureza, mas quase sempre levam adjetivos que evocam magnitudes: imenso, espantoso, enorme... E as notícias que vêm de lá também já não impressionam tanto.

A Associação Chinesa dos Produtores de Veículos (CAAM, na sigla em inglês) acaba de anunciar que, neste ano, a produção de veículos atingirá os 7 milhões de unidades. Com isso, a China ultrapassa a Alemanha como terceiro maior produtor mundial de veículos. Para comparar, o Brasil produzirá neste ano 2,7 milhões.

Há apenas nove anos, saíam das linhas chinesas de montagem menos de 1,6 milhões. Em 2002, eram 3,3 milhões. Cinco anos depois, a produção mais do que dobrou (avanço de 113%), o que dá um crescimento médio de 13,2% ao ano. Mas, como quase tudo que vem da China, esta é uma informação que exige reflexão para devolver o espanto.

Lá há algo como 120 montadoras de veículos. A maioria delas é fruto de joint ventures entre empresas administradas por governos de província (Estado) ou administrações locais e capitais estrangeiros. Para o Brasil, a oportunidade mais óbvia não está no mercado de veículos propriamente dito, mas no de combustíveis. A poluição na China já é insuportável. Se a cada ano mais 6 milhões a 7 milhões de veículos tossem gás carbônico pelas ruas das cidades, mais cedo ou mais tarde, as autoridades chinesas determinarão que alguma porcentagem de álcool terá de ser adicionada à gasolina. E, nesse setor, o Brasil será chamado para ajudar a suprir esse mercado.

O carro chinês é, em média, 30% mais barato que os congêneres brasileiros. Por enquanto ainda não é inteiramente confiável. Mas os asiáticos sempre começam assim e surpreendem a cada ano. Foi assim no Japão e na Coréia do Sul.

As montadoras brasileiras já antevêem o dia em que o carro chinês circulará com desenvoltura nas estradas brasileiras. Mas a ameaça maior é o mercado externo do Brasil. Neste ano, as exportações de veículos e autopeças deverão alcançar US$ 21,9 bilhões. É um queijo que, fatia a fatia, os chineses tentarão arrebatar das montadoras brasileiras. Para que isso não ocorra, o veículo brasileiro terá de ganhar escala, reduzir custos e ocupar espaços. Serão exigidos novos acordos comerciais, que não se fazem sem oferecer contrapartidas. Isso conduz à abertura do mercado interno que, por sua vez, exigirá derrubada das tarifas de importação hoje de 35%. Quer dizer, a própria lógica da economia deverá facilitar a entrada de carros chineses no Brasil.

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