O que se pode esperar do segundo mandato do presidente Lula, diante da formação de um governo de ampla e heterogênea coalizão, saído de um quadro partidário extremamente fragmentado, que acaba de ser confirmado por uma decisão equivocada do Supremo Tribunal Federal de invalidar as cláusulas de barreira, e que não se baseia em qualquer acordo programático, a não ser numa obsessão de fazer crescer a economia a uma taxa de 5% ao ano sem que se saiba exatamente como nem por quê? Segundo os estudos do cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, o primeiro Ministério do segundo mandato de Lula, podendo abrigar até dez partidos, caminha para se tornar o mais fragmentado já formado na história do presidencialismo latino-americano.
Título que tirará dele mesmo, que formara no seu quinto Ministério, em setembro de 2005, um governo com nove partidos. Até aquele momento, o recorde brasileiro anterior pertencia ao segundo Ministério de Itamar Franco, com sete partidos, um típico governo de transição. O nosso sistema governamental, denominado de “presidencialismo de coalizão” por outro cientista político, Sérgio Abranches, promove aberrações políticas como a que está se armando neste segundo governo Lula, isto é, um governo de coalizão sem um programa comum aos partidos que o integram.
Abranches, definindo que governo de coalizão é aquele “no qual se acerta um programa comum e se compartilha o poder entre os partidos, de acordo com sua melhor capacidade para executar o programa”, diz que o que está se formando “é uma coalizão de sustentação parlamentar ad hoc, com a qual o governo negociará ponto a ponto a aprovação de seus projetos, em troca de alguns cargos, porém não de poder governamental”.
No Brasil, coligação é a aliança eleitoral, e a coalizão designaria essa base de sustentação parlamentar, ao contrário da Alemanha, por exemplo, ensina Sérgio Abranches, onde as coligações eleitorais se baseiam em um programa comum. “Se for preciso ampliar a base de sustentação parlamentar, para formar maioria, quando nenhum partido ou coligação conseguiu a maioria, o que se negocia é um programa de governo, como aconteceu para que a Angela Merkl assumisse”.
Como nem a CDU, de Merkl, nem o SPD, de Schroeder, fizeram maioria, e nenhum dos dois conseguiu formar uma coalizão, para evitar novas eleições preferiram viabilizar a coalizão entre velhos rivais, a rara “Grande Coalizão”.
Para isso, recorda Abranches, o que fizeram foi “acertar um programa de governo no qual puseram o que cada partido considerava relevante e o outro não vetava e tiraram o que cada partido considerava inegociável. No caso do SDP, por exemplo, era a reforma da previdência proposta pela CDU”. Aqui no Brasil, um arremedo disso foi tentado pelo PDT, que, para aderir ao governo do segundo mandato de Lula, fez com que ele se comprometesse a não fazer nenhuma reforma na Previdência Social.
O cientista político Octavio Amorim Neto, avaliando o primeiro mandato do presidente Lula em um trabalho onde analisou várias características dos governos formados no país desde 1985, não tem dúvidas: “Tratou-se de uma das mais fragmentadas coalizões já formadas em um regime democrático. E também altamente heterogênea, desbalanceada, e sem o ativo monitoramento e participação do presidente, que delegou excessivamente tarefas políticas e administrativas aos seus ministros”.
Amorim Neto entende que a atual crise política que o país vive tem fatores institucionais subjacentes: “Vários partidos, principalmente os de direita, são muito frágeis do ponto de vista organizacional e programático; a legislação que regula as campanhas políticas é frouxa; o monitoramento pelo TSE, débil; a competição eleitoral, muito intensa e as campanhas, muito caras”.
A crise política de 2005 foi, portanto, na sua análise, “conseqüência da interação entre esses fatores institucionais e o estilo de governança de Lula, mas com um peso mais forte para o último aspecto”.
Amorim Neto acha que a situação pode melhorar neste segundo governo “na medida em que o PMDB for recompensado com mais ministérios, da maneira que merece.
No primeiro governo Lula, o PMDB entrou muito mal, só tinha dois ministérios, apesar de ter um tamanho parlamentar quase equivalente ao do PT na Câmara e de ter a maior bancada do Senado. O PT ficou com 20 ministérios e o PMDB, com apenas dois”.
Ele acha que uma coalizão com oito a dez partidos é ruim “não apenas pelos problemas típicos de coordenação de vários partidos, mas porque vai ser um saco de gatos, você tem a extrema-direita do sistema partidário, que é o PP, e a extrema-esquerda, que é o PCdoB, um partido que ainda é maoísta, junto com a direita parlamentar mais degenerada brasileira”.
Ele adverte que, no segundo governo Lula, a coalizão pode vir a ser mais bem montada do ponto de vista da distribuição de ministérios para os partidos, mas vai ser muito heterogênea ideologicamente “e o presidente não está oferecendo liderança programática.
São prenúncios de dificuldades e paralisia decisória”.
As dificuldades de Lula, analisa Octavio Amorim Neto, têm a ver também com o fato de que “o PT é uma federação de facções, assim como o PMDB é uma federação de caciques regionais. E esses são os dois esteios da coalizão do segundo governo”. O trabalho de Amorim Neto demonstra que, “apesar de ter formado ministérios amplamente partidarizados, Lula, entre janeiro de 2003 e julho de 2005, nunca esteve à frente de um sólido governo majoritário”.
Para ele, a chegada de Lula e do PT ao governo significou, acima de tudo, “uma melhor representação das mulheres no núcleo decisório do país, uma pior gestão das coalizões governativas, principalmente tomando-se os governos de FHC como referência, e o enfraquecimento do caráter nacional da produção legislativa dos deputados”.
(Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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