Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 09, 2006

Miriam Leitão A virada da soja

Mesmo que o Brasil não estivesse conseguindo exportar nada de etanol para os Estados Unidos — o que não é o caso — o país já estaria ganhando com a explosão de consumo do combustível nos EUA. Isso porque, com o aumento do consumo de etanol feito do milho, vastas áreas que antes eram para a plantação de soja lá, estão agora sendo destinadas ao outro grão. Resultado: com menos soja, nos últimos dois meses, o preço da commodity voltou a subir no mercado internacional.

Há anos, os grãos, farelos e derivados, somados, estão na lista dos principais produtos da exportação brasileira, junto com carnes, petróleo, minério e automóveis.

Dos 44 milhões de hectares plantados no Brasil, 21 milhões — quase a metade — são destinados ao plantio de grãos de soja.

No início deste ano, as perspectivas eram dramáticas para os produtores de soja no país. A expectativa era de que a queda da área plantada poderia chegar a 20%. Várias commodities compensaram a queda do câmbio com a alta dos preços do produto no mercado internacional. Mas, na soja, tudo veio ao mesmo tempo: dólar desvalorizado e preços em queda. Aqui dentro, os preços foram derretendo em reais, e os insumos, como fertilizantes, não caíram na mesma proporção. Para completar, uma forte seca atingiu áreas de plantio.

— A rentabilidade piorou drasticamente. O clima era de quase pânico. O setor estava com uma dívida que chegava a cerca de R$ 30 bilhões — conta Fabio Silveira, da RC Consultores.

O prenúncio da crise na soja foi motivo para um pacote liberado pelo governo no começo do ano que incluía ajuda no pagamento de dívidas dos produtores com as grandes traders do grão. O que acontece muitas vezes é que os sojeiros são financiados pelas próprias grandes empresas que compram sua produção. As empresas garantem que haja recursos para a safra. Porém, como houve problemas na rentabilidade, eles não tiveram como pagar as dívidas, e acabaram sendo ajudados pelo governo.

Normalmente, planta-se a soja de julho a outubro. O socorro governamental garantiu que as coisas fossem feitas assim, mas o setor não estava muito otimista, até que, em outubro, houve uma virada: tanto o preço da soja quanto o do milho começaram a subir bastante no mercado internacional.

Entre novembro de 2005 e o de 2006, o preço da soja subiu 16%; e o do milho, 85%. O resultado: a queda na área plantada não deve chegar a 7% e a produção pode crescer até 3,4%, segundo a Conab.

Soja e milho são dois cultivos que têm várias similaridades.

Para começar, ambos são largamente usados como ração animal, sobretudo para aves (no caso do frango, 1/3 é soja e os outros 2/3 são milho). O milho costuma custar a metade da soja, mas ambos são plantados no mesmo tipo de solo e exigem o mesmo equipamento, ficando ao gosto do produtor dependendo do cenário que se apresente. Se, num determinado ano, está valendo mais a pena plantar milho, não se planta soja; e vice-versa. É o que está acontecendo agora nos Estados Unidos. Diferentemente do Brasil, o país tem uma área constante de plantação que não consegue expandir.

Como tem aumentado muito o consumo do combustível feito a partir do milho, os produtores deixam a soja de lado. No Brasil, há ainda muita terra disponível. Já desmatada inclusive. Mesmo assim, quando aumentam os preços da soja, os ambientalistas começam a ficar preocupados. Lêem a notícia com sinal trocado. O desafio para a soja é crescer convertendo áreas já desmatadas no passado. Até porque a tendência é a demanda por combustíveis de origem vegetal continuar.

— A demanda nos Estados Unidos por combustível é tanta que, mesmo que o território inteiro fosse plantado com milho, não seria suficiente para substituir a gasolina. Isso mostra que ainda haverá muita demanda para mais milho e também espaço para aumentar o preço da soja — comenta José Carlos Hausknecht, da MB Associados.

A política americana, por ora, não é de substituição da gasolina, e, sim, apenas de um combustível como complemento. Os Estados Unidos atualmente produzem tanto álcool quanto o Brasil, cerca de 16 bilhões de litros. Mas isso lá, para os “viciados em petróleo”, equivale a muito pouco. Para se ter uma idéia, o nosso consumo de gasolina é de 30 bilhões de litros por ano. O dos EUA, é de 500 bilhões.

— Os Estados Unidos querem dobrar a produção de álcool. Para tanto, eles terão que deslocar 40 milhões de toneladas de milho para produzir combustível.

Isso vai significar menos milho no mercado internacional.

O Brasil não exporta quase nada, o milho aqui é para alimentar frango — diz Fabio Silveira.

O Brasil não usa o milho para produzir combustível como os Estados Unidos.

Aqui, como se sabe, o álcool é feito da cana-de-açúcar.

Apesar de todas as barreiras ao comércio — uma taxa de US$ 0,54 mais 2,5% para um galão de etanol que custa em torno de US$ 2 — o Brasil exportou para os EUA este ano 1 bilhão de litros.

Conseguem atravessar as barreiras porque exportam para o Caribe e daí para os Estados Unidos. Nossa competitividade é tão grande que, apesar dos obstáculos, entramos no mercado americano.

Nesta crise da soja, quem mais perdeu foi o CentroOeste, maior produtora do grão no país. Isso porque a soja vinda da região é mais barata que a do Sul, devido à distância do porto. No Sul, inclusive, deve haver aumento da área plantada. Os sinais indicam que os tempos estão melhorando.

— Não vai ser a época de ouro de 2004 e 2005, mas a soja vai sair das trevas de 2006 — acredita Fabio.

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