Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 17, 2006

JOÃO UBALDO RIBEIRO Novos tempos, novos usos

Tenho ouvido e lido muita gente ainda reclamando do que disse o secretário de Segurança do Rio de Janeiro, quando a ministra Ellen Gracie foi assaltada.

Segundo o que vi nos jornais, ele disse que a culpa foi da segurança da ministra ou, ainda, que ela devia ter pedido a proteção da Polícia Federal a que tem direito. De fato, assim de primeira, a gente estranha isso, porque, afinal, parece significar que a maior parte de nós, que não é constituída de ministros ou ocupantes de cargos com prerrogativas semelhantes, é assaltada com o assentimento, ou pelo menos omissão, do Poder Público.

Compreendo essa maneira de ver, mas ouso afirmar que se trata de apego a paradigmas antigos.

Esse negócio de paradigma antigo não está com nada, o mundo mudou extraordinariamente e vai mudando cada vez mais rápido, é preciso que ajustemos à nova realidade nossa maneira de agir.

Sei que é difícil e dá um pouco de trabalho, mas é indispensável, se quisermos ter outra coisa em que hoje muito se fala, a famosa qualidade de vida.

Não há por que nos queixarmos. Diante de um mundo novo, continuamos a alimentar expectativas, valores e hábitos obsoletos.

Há muito tempo, por exemplo, quem pode ter plano de saúde particular e não tem é considerado maluco, numa época em que abrir a boca para o médico olhar sua língua custa umas 300 pilas e ficar numa UTI 300 pilas por segundo. É bem verdade que o presidente disse que nossa saúde pública está próxima da perfeição e claro que ele tem razão — o problema foi apenas que a maioria dos hospitais e centros de saúde públicos não foi notificada desse fato e será quiçá por isso que haja quem solicite extrema-unção preventiva, se precisar tratar um furúnculo num hospital público. Quando eles souberem do que o presidente disse, aí vocês vão ver, mas as elites ficam atrapalhando e talvez esse processo demore um pouco. Tanto assim que, Deus o livre e guarde, ele vier a ter um mal-estar, conduzi-loatilde;o ao posto de saúde mais próximo, pois ele tem direito ao SUS como qualquer um de nós.

Em relação à segurança, creio que a declaração do secretário, em lugar de nos desagradar ou decepcionar,apenas nos abre os olhos para o mundo novo que, por vicio ou comodismo, ainda não descortinamos bem. Que aconteceu com a saúde?
Continua uma responsabilidade pública,mas quem pode se vira e quem não pode costuma se dar mal. A mesma coisa quanto à seguranca. É também uma responsabilidade pública,mas, apesar de alguns avanços,ainda não se compreenderam todos seus aspectos, inclusive os empresariais.
É claro que o mercado está aberto para uma empresa pioneira,que ofereca planos de segurança,semelhante aos atuais planos de saúde. Como nestes,haveria categorias,conforme o preço pago.Imagino que o melhorplano poderia se chamar,digamos, Royal Shield, que quer dizer “Escudo Real”, mas não pode ser em português, porque, onde já se viu nome de produto sofisticado em português? A cobertura Royal Shield, especulo eu, poderia oferecer proteção 24 horas por dia, carros blindados, chips localizadores subcutâneos, uma microcâmera instalada na parte da anatomia escolhida pelo freguês e assim por diante.

Isto para não falar que, com a súbita volta à moda do envenenamento, hoje o dernier cri internacional em matéria de assassinato, a profissão de provador de comida retornaria ao esplendor que já teve em eras passadas. Tratando-se de ocupação de alto risco, merecedora intrínseca de generoso adicional de periculosidade, tenho certeza de que um operoso deputado, por acaso amigo do dono de uma dessas universidades espertas que por aí abundam, regulamentaria a profissão (que teria o título oficial de Bacharel em Toxicologia Gastronômica, o logo cobiçado BTG) e exigiria diploma superior para seu exercício.


Só por aí se pode sentir a criação, no efeito dominó que o crescimento sustentado pode provocar, de toda uma cadeia econômica. Será uma profissão bem remunerada e requisitada, pois ninguém chique poderá dispensar o seu personal taster, vai pegar mal. E haverá naturais incentivos à criação de novos postos de trabalho, de professores aos provadores terceirizados (trabalhinho a calhar para nossos irmãos nordestinos para o Sul migrados, que já não comem mesmo e assim comeriam e ainda seriam pagos, o mundo é cheio de oportunidades para quem quer mesmo trabalhar). Sei não, mas acho que se dará melhor quem tenha um BTG do que um MBA.

A classe média, o que lá seja isso, não seria esquecida, mas teria que recorrer a planos mais baratos, preferivelmente em grupos ou cooperativas.

Não tive tempo de pensar bem nos meandrosos pormenores do assunto, mas um dos planos, por exemplo, podia ser a Fully Assisted Regular Transportation, de caráter popular e democrático.

O plano, carinhosamente conhecido como FART, protegeria grupos que seguissem certas normas contratuais muito simples. Por exemplo, obedecer ao cronograma da empresa de segurança, como só sair à noite duas ou três vezes por semana, com direito a van blindada. O passageiro de avião, se ainda houver essa espécie ora em extinção entre nós, no Rio de Janeiro, disporá, mediante um aviso anterior de apenas 48 horas, de um capacete de aço legítimo e um uniforme do esquadrão antibombas de Nova York, para seu percurso até o aeroporto.

Finalmente, claro que o povão não será esquecido, ele é prioridade. Serão criados o Bolsa-Segurança e o programa Primeiro Colete, divulgado através de uma campanha de slogan alegre, como “Agora é que a bala perdida vai se perder mesmo”. É o que eu já disse e repito: o espetáculo do crescimento está aí, como o homem disse que estaria. Com má vontade é que não dá.

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