Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 02, 2006

Governo Lula: política econômica sem milagres

Não dá para "destravar"
sem reformas

Lula promete crescimento com rigor
fiscal, mas seu time foge dos ajustes
necessários ao crescimento sustentado


Giuliano Guandalini e Julia Duailibi


Ricardo Stuckert/PR
Lula discursa para empresários e políticos: não ao "vandalismo econômico"
NESTA REPORTAGEM
Quadro: Ajuste sem crise? Nunca houve

Os brasileiros souberam na semana passada que a economia brasileira terá mais um ano de crescimento medíocre – algo em torno de 2,7%, equivalente à metade da média dos demais países emergentes. A taxa anêmica foi estimada com base no desempenho da economia no terceiro trimestre do ano – um minguado avanço de 0,5%. Há mais de duas décadas o país avança nesse ritmo claudicante, perdendo participação na economia mundial. A má notícia reacendeu o ânimo dos chamados "desenvolvimentistas", ala cada vez mais preponderante no núcleo decisório do governo. Os adeptos dessa corrente, que sonham com um modelo de desenvolvimento calcado na gastança estatal maciça, felizmente não terão o apoio do presidente Lula. Ao menos na retórica. Durante a cerimônia de posse da diretoria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Lula disse que o governo promoverá um crescimento sem mágicas, sem a volta da inflação e "sem bulir com a Lei de Responsabilidade Fiscal". O objetivo do governo, disse ele, resume-se a "crescer razoavelmente bem, sem permitir que o vandalismo econômico volte a tomar conta do nosso país". O discurso de Lula evidencia, de forma educativa, a inexorabilidade das conquistas macroeconômicas obtidas pelo país nos últimos doze anos – entre as quais o controle da inflação e as leis que restringem a gastança do governo federal, dos estados e dos municípios. Também rechaça pressões crescentes, vindas de governadores eleitos, para que o rigor fiscal seja relaxado. A esses, Lula deu seu recado: "Não me venham dizer para mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal".

A fala do presidente na CNI já é considerada a mais significativa depois de sua reeleição. Isso porque reduziu a apreensão generalizada quanto aos rumos econômicos do segundo mandato. Mas não se sabe se a convicção do presidente é a mesma. Ainda na cerimônia da CNI em que propugnou o rigor fiscal, o presidente sinalizou, por exemplo, que não reformará a Previdência – um sistema que produz um rombo anual superior a 40 bilhões de reais e responde por dois terços do déficit público brasileiro. "Eu vejo que agora a moda é jogar a culpa na Previdência Social, todo e qualquer problema se resolve com a Previdência Social. Eu queria dizer uma coisa para vocês: a Previdência Social, se levasse em conta apenas o que os trabalhadores pagam e o que os empresários pagam, se levasse em conta apenas o que os trabalhadores que pagam recebem, o déficit dela não seria motivo de discurso de nenhum de nós." Trata-se de uma meia verdade. De fato, dois terços dos aposentados nunca contribuíram com nenhum tostão para receber seus benefícios hoje. São, na maioria, aposentados do setor rural, que tiveram esse direito assegurado pela Constituição de 1988. Sem esses pagamentos, o déficit da Previdência cairia de 40 bilhões de reais para 10 bilhões de reais. Mas os 30 bilhões restantes não sumiriam: alguém teria de pagá-los do mesmo jeito.


Sergio Lima/Folha Imagem
Lula discursa para empresários e políticos: não ao "vandalismo econômico"

Outro ponto preocupante nas manifestações públicas de Lula é sua mudança de opinião com relação ao crescimento. No primeiro mandato, o presidente dizia ser necessário arrumar a casa para crescer. Reeleito, Lula parece acreditar que se obtêm os mesmos resultados mudando a ordem dos fatores: "Não se trata mais, simplesmente, de preparar a sociedade para o crescimento. O que se coloca agora é permitir que o crescimento prepare a sociedade para o futuro ao qual temos direito e pelo qual tanto lutamos nestes últimos anos". Se essas palavras se tornarem ação pelo mesmo valor de face, o presidente passará o carro na frente dos bois. Imaginar que primeiro virá o crescimento e então os desequilíbrios econômicos serão sanados é flertar com o abismo – e dar uma banana para as experiências comprovadas no mundo real. Na cumbuca em que preparam a fórmula mágica para o crescimento de 5%, alguns assessores do presidente estão colocando ingredientes que têm aquelas duas características tão apavorantes em economia: os novos não são bons e os bons não são novos.

Em linhas gerais, os assessores econômicos estudam a viabilidade de um pacote com as seguintes medidas:

Sinal verde para que as estatais, sobretudo a Eletrobrás, façam dívidas no exterior de modo a captar recursos para investir. Disse Lula: "Quero que a Eletrobrás se torne a Petrobras do setor elétrico".

Excluir do cálculo do superávit primário os gastos feitos em investimentos considerados prioritários. Na prática, o superávit, hoje de 4,25% do PIB, seria reduzido.

Utilizar os recursos do FGTS para obras de infra-estrutura.

Rever restrições que impedem estados e municípios de gastar mais em saneamento.

Pablo Valadares/AE
Armando Monteiro, presidente da CNI, cobrou a reforma da Previdência


Ninguém nega que faltam investimentos em infra-estrutura ou que seria bom se o Estado brasileiro estivesse com dinheiro de sobra para financiar parte deles. Desde que corte outras despesas para redirecionar os recursos para a infra-estrutura. Como está sendo desenhado, o pacote do governo propõe mais gastos sem corte de despesas. É uma pena. Essas propostas vêm no momento em que, pela primeira vez em cinco anos, a dívida recuou para menos de 50% do PIB e se via a oportunidade de ela cair ainda mais. Segundo cálculos do economista Ilan Goldfajn, o endividamento poderia recuar para 40% do PIB nos próximos quatro anos se o superávit fiscal fosse mantido em 4,25%. Ao propor outras medidas que impliquem mais gastos públicos, o governo retardará o processo de redução paulatina do endividamento. O resultado? Juros mais elevados e mais impostos. Ao ser reempossado na presidência da CNI, o deputado Armando Monteiro Neto foi direto ao ponto: "A expansão contínua do gasto público e, por conseguinte, a da carga tributária constituem o principal obstáculo à retomada da trajetória do crescimento sustentado". Aí está a trava que os assessores de Lula não querem ver.




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