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O Estado de S. Paulo |
21/12/2006 |
Só o olho vivo e o grito forte do País impedem novos desmandos do Congresso A proposta de transferir para a próxima legislatura a decisão sobre o aumento dos subsídios dos parlamentares e o fim de injustificadas benesses, como verbas extras e salários adicionais, tem o claro propósito de adiar o problema, na esperança de que o clima de repúdio esfrie e, mais à frente, no momento propício - talvez durante o curso de algum novo escândalo ou crise envolvendo outro Poder que não o Legislativo -, se possa retomar o assunto e, quem sabe, até aprovar reajuste mais substancioso que os 28% de reposição inflacionária. Ainda haveria tentativas de votação ontem, mas, sem acordo, sobrarão questões em aberto. Depende da população, da organização das entidades e do sentido permanente de que a reação cívica pode sim ter boas conseqüências e evitar que se repita o roteiro de sempre: os desmandos ocorrem, os escândalos estouram, a indignação eclode, dá-se um jeito mais ou menos, logo tudo fica devidamente esquecido e volta a valer o que a antiga, e malsã, musa cantava ao molde de embalar a dança dos mal-intencionados. É denominação leve para quem comete o crime de lesa-representação tentado pelas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado na quinta-feira passada, que seria concretizado não fossem os recursos à Justiça apresentados por parlamentares sustentados pela reação dos mais variados setores e pessoas da sociedade. Lamentavelmente, entre estes não estavam os partidos de oposição nem aquelas personalidades que durante a campanha eleitoral invocaram o direito de corroborar sujeiras sob a alegação de que sujo é o exercício da política em si. Mesmo sem eles, houve o alvissareiro ensaio da retomada de movimentação cívica, a verdadeira coalizão que impulsiona avanços e cria obstáculos a retrocessos. É claro que não se tratou de uma reação à altura das barbaridades perpetradas no País uma após a outra. Muito menos será esse ainda incipiente despertar que vai levar figuras públicas, parlamentares ou não, a agirem de maneira condizente à delegação recebida nas urnas. Mas é inquestionavelmente uma demonstração de que o Brasil não está totalmente rendido à lógica da malandragem nem disposto a aceitar qualquer tipo de indecência. É, portanto, prova de que a reação adianta, o que não se pode é desistir. A partir de agora é preciso muita perseverança, capacidade de resistência, recuperação do sentimento de confiança, renúncia ao cinismo conformista travestido de engajamento, olho vivo e, sobretudo, grito forte, para impedir que suas excelências usem o tempo como arma de desmoralização da cidadania. E não é só o índice de aumento o que está para ser enfrentado: há o fim das verbas extras, das benesses sem correspondência em necessidades reais, da passividade frente à impunidade corporativamente consentida, o questionamento da legitimidade moral de parlamentares diplomados pela Justiça a despeito de denúncias institucionalmente formalizadas e, por que não dizer, até da contestação da autoridade dos dois autores da manobra do aumento à sorrelfa, Aldo Rebelo e Renan Calheiros, para presidirem a Câmara e o Senado. Por que encarar a eleição interna para as presidências como se não fosse um assunto atinente ao interesse do público? O Congresso é uma Casa de representação pública e, assim, tudo o que acontece ali diz respeito a quem mandou seus representantes para lá. A escolha de quem vai comandar o Congresso tem a mesma importância para a sociedade que a decisão sobre os aumentos. Ambas as ações, em tese, são referidas no funcionamento interno do Legislativo, mas as duas provocam efeitos externos. Outros presidentes talvez - não é certo, mas a hipótese é plausível - tivessem se recusado a patrocinar tal ousadia. Excetuando-se o ato máximo, e final, da cobrança de propina de um concessionário da Câmara, seus comportamentos não diferem em coisa alguma da conduta desafiadora e desabonadora de Severino Cavalcanti. Na verdade, foram além, pois Severino tentou o mesmo estratagema em 2004 - instado, vale rememorar, pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim -, mas recuou sem necessidade de decisão judicial, diante da reação negativa. Desta vez, contaram que a permissividade geral, bastante aprofundada desde então, suportasse mais um desatino. Contrariamente às expectativas iniciais, há brasa sob as cinzas, ainda se faz minimamente alguma distinção entre o certo e o errado, entre o bem e o malfeito. Esse ambiente de saudável e produtiva revolta não pode ser desperdiçado. Traz à memória frase dita pelo então governador de São Paulo Franco Montoro exortando os democratas a não esmorecer na luta contra o regime militar, ante a rejeição da emenda das Diretas-Já. "Não vamos nos dispersar", convocou Montoro, num gesto na forma e conteúdo bastante adequado ao momento atual em que se apresenta a urgência de defesa da democracia e de sua instituição mais representativa contra os detratores do Parlamento: seus piores, e infelizmente majoritários, integrantes. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, dezembro 21, 2006
Dora Kramer - A verdadeira coalizão
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