O DIREITO de saber o que ocorreu no regime militar (1964-1985) e o direito de punir quem tenha cometido crimes por motivo político no período voltam ao debate no Brasil. Uma família requer na Justiça o reconhecimento oficial, como torturador, do coronel que chefiava a repressão em São Paulo. E o procurador-geral da República interpelou o presidente Lula sobre arquivos que as forças de segurança alegam não mais existir.
Nos dois lados do confronto que marcou a fase mais violenta do governo militar, há famílias e indivíduos descontentes com o resultado da Lei de Anistia, de 1979, outorgada pelo presidente Figueiredo. O mecanismo, se não apagou os crimes cometidos seja pela repressão, seja por grupos armados de esquerda, impediu a punição dos culpados.
A sábia opção por uma anistia que acabou englobando as duas partes em conflito sacrificou tais expectativas individuais de punição em nome de um bem maior, a reconciliação nacional. Como escreveu nesta Folha o jurista Tercio Sampaio Ferraz Jr., a anistia não foi concebida para que um conjunto de pessoas se beneficiasse, "mas no interesse soberano da própria sociedade".
Chile e Argentina, entre outros, estão revendo as suas leis de anistia. Trata-se de opção cujos custos e benefícios só cabe a cada nação soberana avaliar. No caso do Brasil -onde tanto a repressão de Estado quanto a oposição armada assumiram proporções bem mais modestas do que no Chile e na Argentina-, a anistia de 1979 foi uma solução satisfatória e definitiva.
Se o direito de punir ressurgisse em favor de uma das partes, teria de ser de pronto estendido à outra, reabrindo feridas há muito cicatrizadas. A certeza de que não haverá esse retrocesso torna injustificável a manutenção do sigilo eterno sobre alguns arquivos do Estado -e das dificuldades de acesso a acervos públicos desse período.
A anistia acertadamente extinguiu o direito de punir, mas não impugnou o direito do público de ter acesso -mediante regras claras- a documentos que pertencem à História.
Entrevista:O Estado inteligente
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