Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 16, 2006

Revolta


Depende do empenho dos cidadãos a tarefa de reconduzir o Legislativo a seu verdadeiro papel numa democracia

SERIA POUCO chamar de "indignadas" as reações da opinião pública diante do aumento de 91% nos salários de deputados federais e senadores, aprovado na quinta por lideranças do Congresso.
A sensação de revolta se mistura à de impotência. A decisão infame suscita veementes protestos; mas cada protesto vem como que acompanhado da admissão implícita de que, no fundo, talvez seja inócuo protestar.
Satisfaz-se, por certo, a necessidade do desabafo; mas a maioria dos deputados e senadores dá provas freqüentes de menosprezo às reações dos cidadãos que estas já parecem constar apenas como um pormenor secundário e passageiro no cálculo político. Não inibem quase mais ninguém, quando estão em pauta as enormidades do banquete.
Nada mais ilustrativo desse estado de espírito do que a fraseologia empregada pelo senador José Agripino para qualificar os efeitos na opinião pública do atentado com que compactuou. Numa ponderação memorável pelo sangue-frio, o líder do PFL admitiu que a repercussão da medida poderia ser -frise-se o termo- "desinteressante". Tratava-se de "uma decisão coletiva"; inoportuna, talvez, mas que se prontificou em "respeitar".
"Desinteressante"? Levemente incômoda, vagamente embaraçosa, quem sabe? Talvez o adjetivo tenha revelado involuntariamente o sentido mais profundo da frase: a repercussão seria "desinteressante" porque, afinal, a maioria dos parlamentares não se interessa minimamente pelo que diz e pensa o cidadão.
É provável que se tenha chegado a um ponto em que todo escândalo se torna "desinteressante". Uma sucessão de abusos, de atos de cinismo, de celebrações da impunidade, de absolvições à delinqüência, tornou rotineiras as mais acerbas condenações da opinião pública, reduzidas a um imperceptível rumor de fundo quando chegam aos escrachados salões de baile do Congresso.
À sociedade brasileira têm faltado, na verdade, disposição e instrumentos organizacionais para reagir com mais eficácia aos assaltos promovidos por aqueles que se dizem seus representantes. Atos de mobilização coletiva, da passeata ao buzinaço, do boicote ao abaixo-assinado, são ainda pouco freqüentes no Brasil.
Se o Legislativo, com todos os seus vexames, é insubstituível no sistema democrático, também se mostra indispensável o empenho ativo dos cidadãos para fiscalizá-lo e pressioná-lo. Toda instituição pública, entregue a si mesma, cede rapidamente ao corporativismo e ao desmando.
É bem mais do que isso o que se registra no Congresso brasileiro: foco insubmisso do escândalo, da afronta e do deboche, depende do empenho de cada cidadão a tarefa de reconduzi-lo a seu real papel numa democracia.

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