Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Alberto Tamer - China nos rouba o mercado americano



O Estado de S. Paulo
17/12/2006

A China está comendo vorazmente e sem nenhuma piedade o mercado brasileiro nos Estados Unidos e na Europa. Quando a China ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC), há cinco anos, a coluna alertou que ela poderia se constituir em um grande mercado promissor ou um competidor sem regras e sem fronteira. Tudo iria depender da nossa atitude diante desse enorme desafio. Da nossa agressividade no mercado mundial. Do tratamento que iríamos dar aos chineses.

Agora, já sabemos. Erramos. E como! Perdemos para os chineses que estão rindo, sim, rindo da gente.

Um estudo realizado pela MB Associados, divulgado pelo Valor, apresenta números vergonhosa e verdadeiramente avassaladores para o Brasil.

NÚMEROS QUE ASSUSTAM

Entre 1999 e 2005 as exportações do Brasil para os EUA aumentaram em 120%. Muito? Não. O Brasil exportou o equivalente a US$ 26,2 bilhões anuais, em média. Os EUA importam US$ 2 trilhões.

Nesse mesmo período, exportamos US$ 26,5 bilhões para a União Européia (UE), mais 89%. A China exportou para os EUA mais 196%. Quanto? Nada menos que US$ 260 bilhões. As vendas chinesas anuais para a UE chegaram a US$ 80,6 bilhões. Um aumento de 219%.

PERDEMOS NOSSO MERCADO

O mais dramático é que as exportações chinesas para os EUA desalojaram tradicionais produtos brasileiros, como calçados e têxteis, e avançam agora no mercado de equipamento de transporte e aço. O estudo da MB Associados, baseado exclusivamente em dados oficiais, informa que em 1999 o Brasil exportava para os EUA 32% a mais de geradores elétricos. A China exportava 25,7% a menos naquela época em relação a hoje. Em 1999 ,vendia para os EUA o equivalente a US$ 428 milhões. E no ano passado? Pasmem, US$ 1,645 bilhão. Sim, bilhão.

FERRO E AÇO TAMBÉM

Querem mais? A indústria de ferro e aço do Brasil, um exportador tradicional desses produtos, também está levando uma surra dos chineses no mercado americano. De 1999 a 2005, o Brasil cresceu sua exportação para os EUA em 148%; as chinesas, 520%. Estão encostando nas vendas brasileiras. E seguem avante, acelerados, sem olhar para o pó que deixam atrás.

Poderíamos continuar apresentando mais números com esse mesmo perfil, confirmando que os chineses não só roubaram o mercado brasileiro, mas estão nos afastando também do americano. É isso. Um fato.

POR QUÊ? ORA, TODOS SABEM

Sim, todos sabem, mas, mesmo assim, perguntamos à economista Maria Cristina de Barros, sócia da MB Associados. Por quê? Seria o totalitarismo comunista chinês uma explicação? Ou pretexto que Brasília usa, comodamente, para explicar a nossa perda de capacidade para competir, que resulta nesta situação vergonhosa?

Há cinco anos, a coluna - e todo mundo - alertou que isso poderia representar uma ameaça, pois a China é um gigante exportador, sem limites. Importa, produz, não consome, exporta a qualquer preço, sempre menor. Conclusão: reservas de US$ 1 trilhão que financiam, bizarramente, os déficits americanos, seu principal "duplo cliente". Dumping? Ora, vá se queixar à sempre lenta OMC.

É Maria Cristina quem afirma: "É preciso chamar a atenção para o câmbio, lá, bem mais competitivo. No fundo é conjunto de pragmatismo, tributação e ambiente pró-investimento." E isso, mesmo que seja num país autoritário e com regras alteradas pelo interesse do Estado.

Conseqüência: a China recebeu US$ 72 bilhões, só em investimentos diretos no ano passado. Nós? Nem chegamos a US$ 15 bilhões. E o Brasil enfrenta essa guerra? Pergunta a coluna a esta pragmática economista.

"No Brasil, hoje, ainda não temos um plano organizado de governo e existem dúvidas de que ele saia e seja efetivo. Há, porém, um mérito, a questão do investimento em infra-estrutura e a melhoria no ambiente de negócios está no centro das atenções. O que nos preocupa é se o governo achará uma saída organizada para a busca do crescimento sustentado com estabilidade."

NÃO DÁ PARA REPETIR 2006

"No primeiro mandato, Lula surpreendeu positivamente ao adotar uma agenda comandada pelo BC que perseguiu a estabilidade e promoveu uma melhoria importante na solvência externa (ajudada é claro pelo bom cenário internacional). Agora, a agenda não pode ser só a do BC. Tem de dividir com os ministérios ligados à promoção do crescimento. Como fazer é que são elas. Preocupa-me que muita experimentação leve a que só permaneça novamente em pé, novamente, a agenda da estabilidade."

A AMEAÇA JÁ É UM FATO

A economista da MBA Associados observa: "Uma questão a explorar é se, além de servir ao seu mercado, a China irá ocupar mais espaço externo. A velocidade dessa ocupação dependerá dos crescimentos relativos de sua economia e do resto. A ameaça para o Brasil já existe, é um fato e será tanto mais grave quanto menor for o crescimento chinês e americano. Se os Estados Unidos crescerem menos, eles continuarão importando da China em detrimento do Brasil pela questão competitiva, e a China poderá desviar o excesso de produção não vendido para outros mercados. Perdemos dos dois lados."

ELES ACORDAM, NÓS DORMIMOS

Resumindo. Eles acordaram. Nós não. Só temos planos que se adiam eternamente e apagões irresponsáveis. Ainda estamos dormindo, chorando lágrimas de emoção, como velhos piegas em igreja sem altar. Os chineses não choram. Sorriem mesmo nos piores sofrimentos, mesmo após a catástrofe sangrenta de Mao, drama que nunca vivemos. Afinal, somos sempre um povo pobre, mas pacífico, cordato, aceitamos tudo sem protestos. Que China, que nada! Deixa pra lá. A "gente" é que é feliz... tem novela da Globo para sonhar, não tem??? E você ainda quer mais??? Ufa!!!

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