O Estado de S. Paulo |
16/12/2006 |
Dizer que o Congresso Nacional perdeu o senso do limite ao patrocinar para si aumentos salariais de cerca de 200% em três anos, período em que a inflação acumulada ficou em 28%, é verdade, mas reduz a enormidade do feito e retira da discussão o seu sentido essencial. E o ponto central dessa história é o abuso de poder cometido pelo Legislativo. A Mesa substituiu-se ao plenário, usurpou-lhe as prerrogativas e levou o colegiado a fazer o que ninguém, nenhum outro cidadão ou grupo social pode fazer: valer-se da lei para subverter a ordem natural das coisas em causa própria. Os congressistas invertem o princípio de que foram eleitos para servir e não para se servir da delegação popular. Lembram, assim, o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, no mea-culpa sobre o episódio da estagiária da Casa Branca. Sem argumentos, Clinton reconheceu que se envolveu com Mônica Lewinsky pelo mais mesquinho e comezinho dos motivos: porque podia. Os deputados e senadores aprovaram um aumento salarial de 90% sobre um salário três anos antes reajustado em 80% simplesmente porque podiam. Nada justifica, muito menos seu desempenho moral e profissional, tal recompensa. A alegação de que o fizeram com base na Constituição, para equiparar os salários aos proventos dos ministros do Supremo Tribunal Superior, é cínica. O teto de R$ 24.500 é o patamar salarial máximo permitido a um servidor. Não se trata de uma obrigatoriedade a equiparação, muito menos de um padrão. Na interpretação livre do benefício próprio, o Congresso dá ao teto conotação de piso. Nesse caso, por incrível que pareça, o montante de dinheiro já é o que menos importa. Interessa é o sentido da atitude, afrontosa e, sobretudo, hipócrita na argumentação sobre a necessidade de remuneração vultosa para atrair os melhores quadros ao Parlamento. O líder do PTB, deputado José Múcio, defendeu o raciocínio segundo o qual sem bons salários os “homens sérios” não se interessam pela atividade política. É o oposto: esse tipo de atitude degenerada é que afasta os homens sérios da política. Nos últimos anos, à exceção do episódio que resultou no impeachment de Fernando Collor, onde os personagens principais eram do Poder Executivo, o Legislativo esteve no centro de todos os escândalos de corrupção. Em alguns fez parceria com o Executivo, mas deputados e senadores nunca deixaram de freqüentá-los com participação destacada. Ao ponto de um em cada cinco parlamentares da legislatura em fase literalmente terminal ter sido alvo de algum tipo de investigação criminal. Diante de situação tão constrangedora, seria de se imaginar que o Congresso se recolhesse à reflexão sobre meios e modos a adotar para sair dessa condição humilhante. Mas, para a maioria, o que importa é o dinheiro no bolso, porque a grita, acreditam, passa e a conta bancária permanece. Todos os episódios de aumentos salariais no Congresso são desgastantes e vergonhosos. Mas este é ainda mais infamante e não só pelo montante do aumento, de 90% de uma só vez. A quebra do decoro deu-se por iniciativa eleitoral e ato imperial dos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros, que, em campanha pela reeleição, assumiram o compromisso de privilegiar seus eleitores internos em desrespeito aos externos. Avocaram para si a decisão, evitaram a votação em plenário exclusivamente referidos no interesse de permanecer no poder. Ambos têm nas mãos a agenda do Parlamento. Se quisessem, poderiam muito bem encaminhar o assunto de outra forma ou simplesmente não dar encaminhamento algum. Teriam respaldo na opinião pública para resistir à pressão de seus pares. Mas eles fizeram o contrário: escolheram se confrontar com o público externo porque, no balanço de perdas e ganhos, melhor negócio agora é assumir o desgaste em troca dos votos para mais dois anos de poder na corporação do que prestar fidelidade ao compromisso de honrar a delegação recebida nas urnas e sem a qual não estariam onde estão. Modelo Faz sentido político a aposta das hostes governistas mais fiéis no Congresso, de que o petista Arlindo Chinaglia marca posição partidária com a candidatura à presidência da Câmara, mas, na hora H, recua em favor da reeleição de Aldo Rebelo. Não custa, porém, raciocinar com base no critério do padrão de comportamento, a famosa natureza do escorpião. No caso, a vocação petista para o embate quando sente o chão mais ou menos - não precisa o mais, basta o menos - sob os pés. Na eleição da presidência da Câmara em 2005, Luiz Eduardo Greenhalgh era o candidato oficial, Virgílio Guimarães o extra-oficial e, até poucos dias antes da disputa, apostava-se no Palácio do Planalto que o candidato paralelo acabaria se rendendo à evidência da falta de apoio suficiente para ganhar e renunciaria. Foi até o fim, instalou-se a divisão e do excesso de autoconfiança nasceu a derrota. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, dezembro 18, 2006
Dora Kramer - Abuso de poder legislativo
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