Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 01, 2006

Dora Kramer - Presidência imperial



O Estado de S. Paulo
1/9/2006

Quando se fala em intenções autoritárias num possível segundo mandato do presidente Luiz Inácio da Silva, a reação mais racional - e aparentemente lógica - é considerar a hipótese, além de remota, impossível.

Raciocina-se assim: se no auge da popularidade com credibilidade Lula não conseguiu cassar o visto de permanência no País de um jornalista americano porque a sociedade reagiu, entendendo perfeitamente o significado do gesto, como teria agora, popular, mas desprovido de credibilidade, força para impor um retrocesso democrático ao País?

Ele mesmo, em seu recente anúncio de programa de governo e nos discursos feitos a bordo do convencimento pleno sobre a reeleição, nos dá a resposta de como pretende tentar enveredar pelo caminho de desequilíbrio dos Poderes, de resto já bastante desequilibrados.

No campo da fantasia performática, já não considera mais, como disse logo após tomar posse, que nem o Congresso nem o Poder Judiciário o impediriam de governar como bem lhe aprouvesse. Agora desconsidera os terráqueos e começa a enxergar os extraterrestres como os únicos desafiantes à sua altura.

Quando fala sério, porém, invoca as forças das urnas para assegurar apoio político no Congresso, apostando na desmoralização ou no enfraquecimento de todos os outros adversários. Acredita que, eleito em primeiro turno, põe nas cordas e de joelhos o contraditório.

Por enquanto, não passam de idéias e intenções não necessariamente factíveis. Em 2003, o recém-eleito presidente Lula também pretendeu governar "conversando" diretamente com a população e setores organizados por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Dispensou a sustentação parlamentar do PMDB - alegando não ser companhia conveniente - e acreditou que, com a maioria petista e mais a cooptação (hoje se sabe a que preço) de três partidos fisiológicos, mas menos visíveis nesse quesito, nadaria de braçada no Congresso e ainda manteria as aparências da lisura moral.

O único ponto do programa de governo que não deixa margem a dúvidas e fornece crédito à versão da tentação autoritária é o capítulo relativo à "democratização" dos meios de comunicação, baseado em estudos que contemplam o desejo de controlar e restringir, pois falam de adequação e equilíbrio da produção jornalística; evidentemente de acordo com os critérios dos proponentes.

Antes da eleição e na discussão teórica, evidentemente, ninguém assume as coisas assim com essa clareza. O esclarecimento diretamente com o fiador dessa proposta torna-se inexeqüível, pois o candidato à reeleição recusa-se aos debates e entrevistas.

Juntando-se as tentativas anteriores ao conceito que seus auxiliares mais próximos manifestam a respeito de quem na imprensa os criticam - "deformadores de opinião", na definição de Marco Aurélio Garcia - com a recusa sistemática e inédita de um chefe de Nação e reivindicante de votos a ser questionado livremente nas mesmas condições e freqüência de seus adversários, temos autorizada a suspeita do desejo de montar uma Presidência imperial o mais protegida possível dos ardores inerentes aos segundos mandatos.

E o pior é que tem gente achando normal.

Estilo

As pessoas em geral, sejam ricas ou pobres, aprendem desde pequenas a tratar os subordinados com respeito. É uma espécie de clássico da educação familiar.

O livro dos jornalistas Leonencio Nossa (Estadão) e Eduardo Scolese (Folha) sobre as viagens com o presidente Luiz Inácio da Silva traçam um breve, despretensioso e revelador retrato da visão de Lula sobre o quesito civilidade. Ali, a grosseria com os auxiliares é marca registrada.

Essa rudeza de trato talvez explique em boa medida a rejeição do eleitorado feminino ao petista, cujo primeiro ato público dessa natureza como presidente foi o esquecimento de Marisa Letícia dentro de um carro oficial durante viagem à Espanha.

Os dois jornalistas romperam o cordão de proteção em torno de Lula em relação a seu linguajar vulgar, aplicado até mesmo a audiências no Palácio do Planalto. Uma delegação da OAB que esteve com ele este ano saiu do gabinete impressionada com a falta de respeito à liturgia do cargo.

O modo como as pessoas falam é o modo como as pessoas pensam e agem. No caso do presidente, com total ausência de limites.

Ele era assim no Sindicato dos Metalúrgicos, sempre foi assim no partido e piorou bem na Presidência. Aquele episódio em que comeu um bombom durante solenidade oficial e jogou o papel no chão é auto-explicativo.

Carcará

Os detratores da ética e defensores da ausência dela como prática aceitável e recorrente na política estão no dever de não abrir as bocas para criticar a candidatura, e possível eleição, de Fernando Collor ao Senado.

De diferente dos que representam as preferências eleitorais dessa corrente de pensamento, Collor só teve a falta de aparato político para reagir.

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