Expoente do PFL acredita que abstenção do eleitorado de Lula permitirá ida ao segundo turno, mas critica a desorganização e o marketing da campanha tucana
Na condição de crítico, o prefeito do Rio, Cesar Maia, aponta a desorganização do PSDB como obstáculo à ida de Geraldo Alckmin ao segundo turno: "O PFL foi muito mais o partido do Alckmin que o PSDB". Embora aposte na abstenção dos eleitores de Lula, Maia decreta o divórcio entre PSDB e PFL em caso de derrota: "Alckmin não ganha a eleição, o PFL vai ter candidato à Presidência, inexoravelmente".
FOLHA - Como o sr. avalia o cenário eleitoral?
CESAR MAIA - Uma campanha polarizada como esta exigiria que o candidato de oposição desse maior nitidez à polarização. Numa eleição com reeleição, onde a avaliação do governo é normal, o eleitor precisa ter razões para que o governo não continue.
FOLHA - O programa do candidato não dá essas razões?
MAIA - O problema é o tempo. Na TV, tem de dar o tom na entrada: se muda ao longo da campanha, passa ao eleitor que é apelação. Nestas eleições há um quadro novo. Uma região garantiria a vitória do Lula em primeiro turno: Norte e Nordeste. Um processo delicado.
FOLHA - Qual?
MAIA - A base de legitimação do Lula vai ser muito baixa. Como se governa eleito por uma concentração espetacular de votos numa só região? Do ponto de vista da estabilidade, o segundo turno é agregador. São dez minutos de TV para cada um dizer o que vai fazer, porque por enquanto eles só dizem o que fizeram. Lula fez coisas do arco da velha, Alckmin fez coisas maravilhosas em São Paulo. Do ponto de vista de jogar para frente, são generalidades.
FOLHA - Falta programa de governo?
MAIA - Certamente, tem documento. Mas o eleitor não percebe essas propostas. Lula diz que fez um monte de coisas, o eleitor fica cético. Ele mente demais na TV, mas alguma coisa ele fez. O Alckmin fez muito em São Paulo. E para frente? É um homem de bem, sério. Está bem, é uma preliminar. Agora, o que ganho com isso?
FOLHA - O sr. acha mesmo que pode haver segundo turno?
MAIA - Pode. Os institutos não conseguem pesquisar a população que não pode votar, porque ela não é atingível, mas ela é da base da amostra. Os presos estão. Uma pessoa imobilizada, doente, está. O Datafolha diz que são 10% de brancos, nulos e indecisos. No dia da votação vamos ter 25%, no mínimo, de abstenção, brancos e nulos. Essa parte que não foi amostrada é proporcionalmente maior para que candidato? Para o eleitor do Lula, que é o eleitor mais pobre. O Datafolha colocou segundo turno de dois salários mínimos para cima. Só de zero a dois é que não colocou. E zero a dois, mais da metade está no Nordeste.O Nordeste tem em geral o dobro da abstenção do Sudeste e do Sul. O preso, em geral, são as pessoas mais pobres. As pessoas que têm maior dificuldade de mobilidade, em geral, são as pessoas mais pobres. As pessoas que migram, normalmente, no Brasil são as pessoas mais pobres, que não puderam ainda fazer a atualização do seu título eleitoral...
FOLHA - Lula é afetado pelo perfil do eleitor?
MAIA - É, duplamente. Pelos segmentos de renda menor e pela concentração regional. São dez pontos. Se o Alckmin conseguir tirar dessa diferença uns quatro pontos, cinco, a abstenção resolve o resto, e vamos para o segundo turno.
FOLHA - O que ele precisa mudar?
MAIA - Primeiro, a campanha tem um núcleo central e não tem núcleos regionais num país continental. Você não tem articulação com as pesquisas locais para que se dê informação à campanha presidencial a respeito dos aspectos regionais. Não há orientação. A tática melhor é em direção aos que negam voto ou àqueles que estão no voto dele? Ele deve chegar na televisão e falar de educação popular, do "dose certa" etc.? Está tentando entrar no eleitor do Lula. Por que vai ficar disputando com Lula?
FOLHA - É errado tentar conquistar o eleitorado do Lula?
MAIA - Não pode abandonar. Mas ele tem que falar para o eleitor dele. Tem de dizer por que o outro não é competente. Ele tem um medo tremendo de dizer o nome do outro. O cara é presidente, está aí há quatro anos, candidato à reeleição, ele diz: "Está errado". O contraste tem de ser mais contundente. A crítica que ele faz ao Lula não é suficiente para o eleitor mudar.
FOLHA - O sr. acha que ele tem medo de falar o nome do Lula?
MAIA - Ele tem uma linha de comunicação. Você já viu o programa do Serra? Vejo todo dia. É igualzinho ao do Alckmin. O mesmo texto, é um programa igual. Você tem um candidato, que é um candidato à reeleição do PSDB, que é o Serra, com um currículo mais amplo e que faz um programa igual ao programa de alguém que quer derrubar o candidato do governo. Alguma coisa está errada.
FOLHA - Com essa fórmula, dá para chegar ao segundo turno?
MAIA - Dá. Porque o Alckmin está crescendo um, meio, um; a Heloísa parada, os outros parados. Dá. Agora, chegando na eleição com a manchete dos jornais "Lula vai ganhar no primeiro turno" e você [com terço na mão] rezando para a abstenção ter uma proporção ainda maior do que imaginava.
FOLHA - E se as manchetes forem "Lula está dez pontos na frente"?
MAIA - Se disser que Lula está com seis pontos na frente, sete, Alckmin vai rezar. Se disser: "está com três", Alckmin vai para o segundo turno. Se disser que está com dez, não tem chance, acabou.
FOLHA - Falta comunicação?
MAIA - Falta coordenação.
FOLHA - Em janeiro o sr. disse que abriria mão da candidatura à Presidência em favor de Serra. O Alckmin foi escolhido. O PSDB errou?
MAIA - Não sei se o PSDB julgou mal. Se o PSDB não ganha o Estado de São Paulo, desaparece. Na inauguração do comitê do Paulo Renato, Fernando Henrique disse: "Precisamos reconstruir o PSDB". O PSDB sai dessa campanha completamente esfacelado. Se antes se dizia que o PSDB era um partido paulista, eu diria: ele é exclusivamente paulista. Acabou. E o FHC percebe isso. Quer dizer, o Aécio, em Minas, o que é? O PSDB? O que aconteceu no Ceará? Então, sai em frangalhos. Se o PSDB não ganha as eleições de São Paulo, ele vai ter que começar de novo.
FOLHA - O que o sr. achou dessa carta do Fernando Henrique?
MAIA - Uma carta daquela é ruim, de quem já está tratando do dia seguinte da eleição. Muito interessante para ser lida no dia 2 de outubro. Agora, no dia 10 de setembro? Tenho convicção que pode dar segundo turno. Ele, o quadro mais importante destacadamente do PSDB, não.
FOLHA - Nesse caso o sr. fica com Aécio?
MAIA - Aí eu não sei, porque aí é um outro jogo, sabe? A reeleição faz isso. Faço eleição hoje e estou trabalhando com 2008 e 2010. Olho o quadro eleitoral do Rio e vejo quem não pode se fortalecer, porque vai ser um candidato muito forte para derrotar em 2008. Em 2010? Trabalho com esse nível de pragmatismo. Como disse na convenção do PFL para o Alckmin: "Você vai ganhar a eleição e é o candidato do PFL à reeleição". O Alckmin não ganha a eleição, o PFL vai ter candidato à Presidência da República, inexoravelmente. Porque o PSDB sai fraco. O PFL sai forte desta eleição. Muito mais unido. Muito mais estruturado.
FOLHA - Acha que Tasso contribuiu para o esfacelamento do partido?
MAIA - Às vezes em que estive direta ou indiretamente em reuniões com o Tasso, acho que ele certamente não foi o problema. Tasso estava na linha de abrir com confronto. Queria trazer o Lavareda, que tinha essa visão da campanha. Foi feita a opção pelo candidato.
FOLHA - Então o problema é o candidato?
MAIA - Não. O problema era o grupo do candidato. Tinha uma história de sucesso que tentou repetir em quadro diferente. Por maior talento que tenha o homem de publicidade, que é o Gonzalez, quem diz o que quer comunicar é o político.
FOLHA - O sr. já disse que o PSDB iria inviabilizar a ida do Alckmin ao segundo turno. Ainda pensa assim?
MAIA - Se eu disse que a desorganização do PSDB seria um obstáculo à ida dele ao segundo turno, está se confirmando. Isso o ACM falou. O Tasso ficou dez dias no interior do Ceará. Coincidência ou não, depois desses dez dias, o Cid Gomes passou à frente. Chamei atenção lá na frente que o PSDB estava dividido. Aí o Tasso deu um troco no Rodrigo -filho do papai etc.- e deu uma chamuscada. Mas era isso. Recebi aqui o prefeito de Juazeiro, que é Tasso, e me disse: lá a orientação nossa é tudo contra o Lúcio Alcântara. Eles vão desmontar a candidatura deles por que existe um partido informal que é Ciro Gomes-Tasso Jereissati. O Germano Rigotto me pediu: "Telefone para o Alckmin e diz para tirar a Yeda que vou apoiá-lo". O PSDB não teve condição de fazer isso. Não teve condições de tirar a Abadia...
FOLHA - Na Bahia...
MAIA - O Imbassahy. Para quem tem o PFL com uma estrutura verticalizada, como na Bahia, querer derrotar o PFL para o Senado é um duro golpe no coração da ACM. Pela experiência que teve com o PT em 2004 e pela importância que dá ao Alckmin, ACM acabou até relegando ao segundo plano. Mas que doeu, doeu. Custava ter levado o Imbassahy para deputado federal? Tá bem. Jutahy prometeu no túmulo do pai fazer oposição a vida inteira. Essas coisas são inacreditáveis. Então tira o Jutahy de presidente. É tão simples. Volta em dezembro. O partido que não tem condições de fazer o deslocamento de um quadro menor! Se fosse um Tasso... Mas um deputado, um líder medíocre...
FOLHA - E o caso da Roseana?
MAIA - Não tinha muito jeito. A reunião na casa dela com Alckmin foi muito ruim. Ela pediu para ele não ir ao Maranhão. Por todas as razões do mundo, ela carrega uma mágoa gigantesca: ela atribui a mágoa ao coração do governo FHC. Na hora que se colocou o grampo sob a hipótese de tráfico de drogas no Maranhão. E essa máquina fez o acompanhamento dos recursos de pré-campanha. Porque aquele recurso era para pré-campanha, por exigência do marqueteiro que queria receber em caixa dois. Quando essa mágoa bate, bate forte...
FOLHA - Os casos mais emblemáticos?
MAIA - São Abadia [DF] e Yeda [RS]. O interesse é do Alckmin. Não é nosso, não. Em Santa Catarina, o Bornhausen conseguiu fazer uma costura e engoliu todas as razões de conflito com Luiz Henrique. O PFL fez todos os gestos de agregação. O PFL foi muito mais o partido do Alckmin do que o PSDB.
FOLHA - O sr. acha que tem reciprocidade?
MAIA - Não importa. O tipo de contato com Alckmin foi afiançando que os compromissos são para valer. Não tenho dúvida que o Alckmin entende os problemas do Rio. Sabe quem está fazendo a campanha para ele. Como presidente, reconheceria a liderança do Rio.
FOLHA - Mas, ao mesmo tempo, ele não acolhe as propostas para o programa de TV?
MAIA - Ele já errou. Não adianta fazer uma reversão do programa que só vai piorar. Errou na partida. Imaginar em fazer uma reunião do Conselho Político em julho em que estavam todos eufóricos e o coordenador de comunicação chegou no encerramento... É que estava todo mundo com humor tão alto, e o otimismo tão grande...
FOLHA - O senhor acredita no divórcio para as próximas eleições?
MAIA - O Bornhausen falou que, se não ganharmos a eleição, o divórcio será inexorável. Nas eleições, vários partidos não cumprirão a cláusula de barreira. Minha opinião é que a direção fernandohenriquista do PSDB tentará agregar o PPS e o PV e empurrar o partido para a esquerda. E melhorar a imagem do partido. Isso daí vai levar inevitavelmente a uma separação pela organicidade do PFL. O PFL é de centro-direita. À medida que o PSDB vá buscar, enquanto oposição, se perder a eleição, o caminho mais à esquerda, é inexorável essa separação. Vai haver.
FOLHA - Como o senhor vê o do Alckmin? O programa é limpinho.
MAIA - Um dia desses vi num programa do Alckmin, ou do Serra, que um conjunto habitacional foi entregue. O sujeito morava num barraco; aí, o sujeito chega na casa dele e tem um carro na garagem. Um carro. Como sai do barraco e tem um carro? Talvez nem seja dele. Mas o cara edita. Não pode passar. É um programa muito asséptico. Como é água mesmo? Insípido, inodoro...
FOLHA - É o chuchu?
MAIA - Mas não é ele. O que esses marqueteiros estão fazendo com os políticos é enquadrar no teleprompter. É uma barbaridade. O cara está acostumado com o William Bonner, com a Fátima Bernardes. O Lula também. Falam sobre transporte, emoção, casa popular... As feições não mudam. O Lula faz uma movimentação com a mão direita para acompanhar o teleprompter. O Alckmin lê bem o teleprompter. Ele pensa que lê bem. Quem lê bem é o William Bonner.
FOLHA - Já fez as pazes com Aécio.
MAIA - Ele está em campanha. Não tem tempo para isso.
FOLHA - Mas o que acha dele desde então?
MAIA - Desde então ou desde sempre? O Aécio procura seguir uma escola política superada, que é a escola mineira caricaturizada, que são as boas saídas, que é o marquês do Paraná, um ministério de composição de todas as forças políticas, a imagem do Alkmin, do Benedito Valadares, do Tancredo... Não sei se ele consegue fazer isso passando realidade...
FOLHA - O sr. acredita nu ma aliança entre Alckmin e Aécio para a presidência do partido?
MAIA - O Alckmin pode ser convidado, mas não tem lastro partidário para, numa hipótese de derrota, disputar a Presidência. O Aécio, ao que eu saiba, ainda não saiu de Minas.
FOLHA - E o sr. é candidato?
MAIA - Se estivesse na Inglaterra, diria que sou. No Brasil não há como fazer essa previsão antes. Evidentemente participo do jogo de 2006 olhando para MG, SP, sou do Sudeste também, e olhando para o quadro nacional, posicionando o PFL através de mim. Os outros que se posicionem no PFL através de cada um deles. Não estou nesse jogo fortalecendo meus adversários do mesmo campo. Do outro campo, a gente não pode fazer nada. A gente participa de 2006 se diferenciando. Eu me diferenciei do Aécio. Uma coisinha ali, uma batidinha aqui. Agora a gente tem uma equação Serra. Ele saiu uma vez. Sai a segunda?
FOLHA - O sr. acha que vai ser um impeditivo para ele?
MAIA - Vai ser um constrangimento. Não vai ser uma solução fácil para ele. O que é isso? Saiu com ano e meio? Depois sai com três anos e três meses? Vai ser presidente? Vai ser secretário-geral da ONU? Saiu de São Paulo para São Paulo, aí sai de novo e entrega a um deputado que não é exatamente uma liderança popular eufórica. Vai ter dificuldade. Ele sabe disso.