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sábado, agosto 12, 2006

Terrorismo Polícia inglesa frustra planos para explodir aviões

veja
A bomba líquida do terror

Plano de usar explosivos disfarçados em
garrafas, abortado pela polícia inglesa,
mostra como ficou perigoso voar


Ruth Costas

 

Daniel Berehulak/Getty Images
AP
Passageiros enfrentam filas de cinco horas para embarcar no aeroporto de Heathrow, em Londres: um dia de caos e temor


Nos últimos cinco anos, desde o ataque ao World Trade Center, uma preocupação mantém o mundo em suspense: qual será o próximo passo da Al Qaeda? O maior temor é o de que o terrorismo islâmico tenha sucesso em se equipar com armas nucleares ou, pelo menos, as chamadas "bombas sujas" de baixa radioatividade. Ou então com armas químicas, mais difíceis de detectar por métodos convencionais. Na semana passada, a polícia e o serviço de inteligência da Inglaterra conseguiram impedir o que poderia ter sido o maior atentado terrorista da história – o ataque simultâneo a uma dezena de aviões comerciais que sairiam de Londres com destino aos Estados Unidos – e revelaram uma nova, inesperada e assustadora estratégia terrorista: o explosivo líquido, que pode ser disfarçado em inocentes garrafas de água ou refrigerante e enganar a vigilância nos aeroportos. Se os terroristas tivessem tido sucesso, como disse um comandante da polícia inglesa, o resultado seria um "assassinato em massa em escala inimaginável".

A lembrança das falhas ocorridas nos atentados contra o metrô londrino, que mataram 52 pessoas no ano passado, fez com que, desta vez, as autoridades inglesas agissem rápido. A maioria das prisões, que na sexta-feira chegavam a 24, foi feita na madrugada de quarta-feira. Enquanto a polícia fazia batidas em Londres e nas cidades próximas em busca de outros cinco envolvidos, medidas extremas de segurança foram tomadas nos três principais aeroportos do país. A maior parte dos embarques e desembarques foi cancelada, e aqueles que conseguiram viajar tiveram de enfrentar filas de mais de cinco horas por causa dos atrasos provocados pela revista. Só no aeroporto de Heathrow, 650 vôos foram cancelados, sendo 76 para os Estados Unidos. No total, estima-se que 400.000 passageiros tenham sido prejudicados.

 

Daniel Berehulak/Getty Images
AP
Passageiros enfrentam filas de cinco horas para embarcar no aeroporto de Heathrow, em Londres: um dia de caos e temor

A causa de tantos cuidados foi a natureza dos explosivos escolhidos pelos terroristas – e a consciência dos agentes de segurança da dificuldade que teriam em detectá-los caso algum dos envolvidos ainda à solta resolvesse seguir adiante com o plano. Os explosivos líquidos seriam escondidos em garrafas de refrigerante e detonados com uma faísca gerada pela bateria de aparelhos comuns, como um celular, laptop ou tocador de MP3. Até a sexta-feira passada, não se sabia qual seria a substância escolhida. Há várias possibilidades, quase todas envolvendo produtos fáceis de ser obtidos. A nitroglicerina, por exemplo, muito usada em trabalhos de mineração, ou o nitrometano, um combustível de carros de corrida que explode se combinado com fertilizante comum. "A explosão não precisa ser grande para fazer um buraco na fuselagem. O avião começaria a desmanchar-se e os passageiros seriam sugados para fora", disse a VEJA o americano John Pike, diretor do centro de estudos Global Security, em Washington. Esses líquidos explosivos não são identificados por detectores de metal ou raios X. Escapam até dos aparelhos especializados em rastrear armas químicas. Desde 2001, quando o inglês Richard Reid, muçulmano convertido, tentou detonar uma bomba escondida em seu sapato em um vôo de Paris a Miami, os aeroportos americanos passaram a examinar os sapatos dos passageiros antes do embarque. Agora os serviços de segurança terão novamente de se adaptar.

Nos três principais aeroportos ingleses – Heathrow, Gatwick e Stansted –, os passageiros foram impedidos de embarcar com bagagens de mão. Os únicos pertences que podiam levar a bordo eram seus documentos, óculos, cartões e dinheiro, colocados em sacos plásticos transparentes. Levar para dentro do avião desodorantes, solução para as lentes de contato ou bebidas, nem pensar. Remédios, só em pastilhas e com a receita na mão. Até as mamadeiras, que algumas mães com crianças de colo insistiam em carregar, só podiam embarcar se elas concordassem em experimentar o leite na frente dos agentes de segurança para provar que não se tratava de nenhuma substância química.

Paul J. Richards/AFP
Tom Hevezi/AP
Funcionária de aeroporto nos EUA avisa sobre a proibição de embarque de líquidos. Acima, a única bagagem de mão permitida em Gatwick, em Londres. Abaixo, segurança reforçada em Miami
Alan Diaz/AP

O plano abortado pelos serviços de inteligência inglês na semana passada tem as impressões digitais da Al Qaeda, a organização terrorista de Osama bin Laden. "Mesmo que o grupo detido não tenha recebido dinheiro e instruções diretas de Bin Laden, não há dúvida de que buscou inspiração em sua ideologia e em seus métodos", disse a VEJA o inglês Charles Shoebridge, ex-agente da força antiterrorismo da Scotland Yard. Ao que parece, desde o ataque às torres gêmeas de Nova York, em 2001, a organização não é diretamente responsável por nenhum atentado terrorista de grande porte. Tanto os ataques de Londres, em julho de 2005, quanto os de Madri, em 2004, e Bali, em 2002, foram arquitetados por células independentes, que utilizaram explosivos convencionais.

Os presos na última semana são cidadãos ingleses muçulmanos, a maioria de origem paquistanesa. Pelo menos dois deles são convertidos recentes. É o mesmo perfil dos quatro jovens responsáveis pela matança do ano passado no metrô e num ônibus de dois andares. A constatação dá tons ainda mais dramáticos ao dilema que no último ano se tornou o centro das preocupações dos ingleses: como lidar com fanáticos que se escondem no miolo das enormes comunidades muçulmanas residentes no país e se protegem sob o discurso do relativismo cultural?

No ano passado, as autoridades britânicas adotaram duas medidas para fechar o cerco ao terror. A primeira foi abrir processos para a deportação de clérigos estrangeiros que pregam abertamente a guerra santa, como o jordaniano Abu Qatada, considerado embaixador de Bin Laden na Europa. A segunda foi uma nova lei antiterror, que permite a detenção de suspeitos de terrorismo por até 28 dias e transforma em crime a incitação ao terror. Os agentes policiais ganharam maior poder de ação, embora haja muita resistência quanto a permitir que façam escutas telefônicas sem autorização judicial ou violem a correspondência eletrônica das pessoas. Policiais armados, antes uma raridade na Inglaterra, foram colocados em pontos estratégicos como portos, aeroportos e estações de trem.

Os serviços de inteligência traçaram táticas de mútua colaboração com os Estados Unidos, a Europa e o Paquistão prevendo a troca de informações sobre suspeitos. Os ingleses já estavam investigando 1 000 simpatizantes da Al Qaeda, mas foi a prisão de cinco paquistaneses e dois cidadãos britânicos no Paquistão – país que está no centro do fundamentalismo islâmico – que lhes permitiu chegar aos 24 suspeitos. "A troca de informações entre agências de inteligência de diferentes países não é novidade, mas isso nunca foi feito de maneira tão intensa e de forma a evitar uma tragédia de tal dimensão", disse a VEJA a americana Jennifer Hardwick, pesquisadora do Centro de Estudos em Terrorismo, em Arlington, Estados Unidos.

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