Dora Kramer
Por mais que os resultados das pesquisas eleitorais não reflitam o (mau) humor predominante por toda parte em relação ao presidente Luiz Inácio da Silva, não há que se brigar com os números. De algum lugar saem e, portanto, é a realidade que estão a traduzir.
E esta, hoje, aponta para a reeleição do presidente da República, o que equivale a dizer, a aprovação da maioria ao seu governo, seus meios e modos de agir. O clima de decepção e desencanto é possível, então, que diga respeito aos representantes políticos de um modo geral, mas não a Lula em particular.
Os primeiros pagam o preço agora de uma extensa folha de serviços prestados aos malfeitos e de uma longa vida dedicada à absoluta indiferença em relação aos valores caros ao cidadão comum; o segundo vive ainda da tolerância de um bom capital ético amealhado no passado.
Fixo no retrovisor, o olho do eleitor pelo jeito também não reconhece no adversário principal do presidente, representante da aliança PSDB-PFL, uma opção confiável e renovadora o suficiente para provocar desejos de volta em quem se sentiu empanturrado de tucanos e pefelistas tanto tempo no poder.
A um mês das eleições não convém dar as coisas por resolvidas, mas, a bem dos fatos e da realidade, é mister considerar fortemente a hipótese de que a vontade do eleitorado não será despertada nem pelo bom-mocismo apregoado pelo PSDB nem pela agressividade cobrada pelo PFL.
“Atitude” não parece ser o atributo levado em conta pelo eleitorado.
Fernando Henrique Cardoso propõe “atear fogo no palheiro”, mas nada garante que o eleitorado vá se apaixonar pelo incendiário. Tentar transformar Geraldo Alckmin nesta altura num ferrabrás vociferante pode, no máximo, expor o candidato ao ridículo do artificialismo.
Aquela idéia de que, conhecido, o tucano necessariamente agradaria, não deu certo. Quanto mais conhecido se torna, mais desagrado provoca. Não conseguiu despertar nas pessoas razões para tê-lo como presidente. O andar da carruagem indica uma preferência por mais quatro anos de reclamações, já que a opção se configurou anódina.
O Geraldo Alckmin candidato à Presidência da República na missão de lutar para remover o adversário do poder não é o mesmo Geraldo Alckmin que, pareceu a todos, tirou José Serra do páreo dentro do PSDB mediante combatividade e persistência, contra as evidências eleitorais em favor do então prefeito de São Paulo.
O que nos leva à seguinte hipótese: Serra diz a verdade quando insiste em que não foi preterido, abriu mão da candidatura. E se o fez, tendo assumidamente o desejo de ser presidente do Brasil, por alguma boa razão decidiu assim.
Vai ficando cada vez mais claro que o PSDB, ou sua cúpula, não se deu ao trabalho de informar ao respeitável público, mas, na verdade, não disputou esta eleição para valer. Achou difícil, não quis correr o risco e deixou para a próxima, acreditando ter encontro marcado com a vitória em 2010. Resta saber se o eleitor, diante do espetáculo em curso, vai comparecer.
Ação e omissão
Os intelectuais que se reuniram em São Paulo para dar apoio à reeleição de Lula não repetiram o vexame da cena carioca de defesa explícita de uma espécie de operação mãos sujas como contingência da política.
Exaltaram os feitos, na visão deles, bem feitos e em alguns casos até perfeitos do presidente em seus primeiros quatro anos de mandato, mas acharam por bem guardar silêncio quanto à questão ética.
É um direito que os assiste. Mas importante seria que tivessem a consciência de que tal omissão equivale a um aval a toda e qualquer conduta fora dos parâmetros legais. Aí incluída a pirataria de produções culturais e as malfeitorias de todos os outros partidos e segmentos sociais.
Marcam, assim, posição de admissão militante à corrupção por ser ela, na interpretação deles, inerente ao exercício da política.
Mais tarde, quando outros estiverem no poder e porventura argumentos semelhantes forem invocados para justificar desvios de conduta, não poderão reclamar.
Aliás, subtraíram a si mesmos desde já o direito à condenação de ordem ética, e pela natureza dos crimes listados pelo procurador-geral da República na “denúncia dos 40”, até mesmo criminal.
No caso da escolha posta por Stanislaw Ponte Preta – “ou restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos” –, ficaram com a segunda opção. Para sempre.
Se companhia é ponto, diga-se em favor deles que não são os únicos.
Sendo o descaso à ética um fator de peso nesta eleição – e é, pois consta como questão explicitamente excludente na decisão do voto –, para citar de novo Sérgio Porto, o Brasil envereda pelo perigoso terreno da galhofa.
Quem acha que as pessoas devem andar direito como pressuposto básico, não como vantagem comparativa, é posto na lista dos ressentidos e estraga-prazeres. Veremos, pois, em médio prazo, o resultado da condescendência moral.