Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 29, 2006

Merval Pereira Pela dignidade política

O GLOBO

 Uma reforma política deve promover a legitimidade democrática, a governabilidade e as virtudes republicanas, valores que, para o jurista Luís Roberto Barroso, professor da Uerj e presidente do Instituto Idéias, estão sendo desgastados pela crise institucional que se instalou no país nos últimos anos. Preocupado com “a onda de ceticismo que tem abatido a cidadania e minado sua capacidade de indignação e de reação”, ele acha que “é preciso reconstruir o conteúdo e a imagem dos partidos e do Congresso, assim como exaltar a dignidade da política”. Na sua proposta de reforma política para o país, ele afirma que “não há Estado democrático sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem parlamento atuante e investido de credibilidade”.

E-mail para esta coluna: mer val@oglobo.com.br Na sua análise, a atividade política desprendeu-se da sociedade civil e, como conseqüência, “perdeu a identidade com ela, deixando de representála e, no limite, até de lhe servir”. O sistema político brasileiro, segundo ele, tem funcionado ao contrário do que deveria: “exacerba os defeitos e não deixa florescerem as virtudes”. O estudo do Instituto Idéias apresenta as seguintes propostas: a) para o sistema de governo, o semipresidencialismo; b) para o sistema eleitoral, o modelo distrital misto; c) para o sistema partidário, a fidelidade e a contenção da pulverização dos partidos políticos, com as cláusulas de barreira, que começam a vigorar nesta eleição.

No voto distrital misto, a escolha proporcional seria pelo sistema de lista fechada, que “fortalece os partidos, facilita a formação de maiorias políticas de sustentação do governo e institucionaliza as relações de poder, ao diminuir a possibilidade de barganha individual de apoio por cada parlamentar”.

Uma outra vantagem, segundo o estudo do Instituto Idéias, seria evitar que candidatos do mesmo partido sejam competidores entre si, além de despersonalizar o voto, que passaria a ser uma opção programática. O sistema proposto pretende produzir as seguintes alterações na prática política brasileira: 1. Em relação à legitimidade democrática: a) propiciar maior identificação entre sociedade civil e classe política, com aumento da coerência entre discurso e prática, visibilidade e controle da atividade parlamentar; b) conferir maior autenticidade programática aos partidos políticos, fomentando a fidelidade e mitigando a pulverização partidária, com o fim de legendas de aluguel e de partidos sem penetração social, que servem a interesses privados; c) reduzir a influência do poder econômico no processo eleitoral, com o barateamento das campanhas, a limitação dos gastos e, eventualmente, o financiamento público.

2. Em relação à governabilidade: a) facilitar a formação de maiorias de sustentação política do governo; b) institucionalizar as relações entre Executivo e Legislativo, com predomínio dos partidos e não do poder individual atomizado de cada parlamentar; c) criar mecanismos de superação de crises políticas, impedindo a continuidade de governos que perderam sua base de apoio no Parlamento e na sociedade.

3. Em relação às virtudes republicanas: a) eliminar o poder de barganha individual de cada parlamentar, gerador de mecanismos de troca de favores por votos; b) tornar o debate político mais programático e menos clientelista; c) esvaziar a necessidade de loteamento de órgãos públicos e de distribuição de cargos em troca de apoio.

Modelo consagrado na França, desde 1958, e em Portugal, desde 1976, o semipresidencialismo combina elementos do sistema presidencial e do sistema parlamentar e, segundo Barroso, neutralizaria dois “problemas crônicos do presidencialismo no Brasil: a presidência imperial, plenipotenciária e autoritária, de um lado, e a instabilidade política do governo, por outro lado, nas hipóteses em que o desgaste político faz erodir seu fundamento de legitimidade. Incrementa-se, ainda, a responsabilidade política do Parlamento, que já não poderá se ocupar apenas da crítica, mas deverá participar também da construção do governo”.

O presidente da República, eleito diretamente pelo povo — “fórmula que se incorporou à tradição brasileira, e dá a ele um papel próximo ao do poder moderador, devendo agir como estadista e fiador das instituições” —, exerce a chefia do Estado e desempenha um conjunto limitado mas relevante de competências políticas: a participação na nomeação do primeiroministro, a possibilidade de dissolução do Parlamento, o comando das Forças Armadas e a nomeação de alguns agentes públicos, como embaixadores e ministros da Suprema Corte.

O primeiro-ministro, por sua vez, é o chefe do governo, conduz o dia-a-dia da política e é, igualmente, o chefe da administração pública. “Sua investidura e permanência no cargo dependem da vontade da maioria do Parlamento”.

“O presidente da República detém um mandato a prazo certo; o primeiro-ministro pode ser substituído a qualquer tempo, por deliberação parlamentar”, ressalta o estudo.

Em caso de perda da base de sustentação parlamentar ou popular, “o governo (isto é, o primeiro-ministro e seu gabinete) pode ser destituído e substituído por outro, indicado pelo presidente da República e chancelado pela maioria parlamentar”.

Para obter a fidelidade partidária, o estudo do Instituto Idéias propõe dois pontos: a) a observância, pelo parlamentar, das diretrizes de seu partido, e b) a permanência do parlamentar no partido pelo qual se elegeu. O voto do deputado que desrespeitou a orientação fixada pela instância partidária competente não seria computado. Quanto ao parlamentar que abandonar o partido, perderia o mandato, a menos que tenha deixado a agremiação para fundar um novo partido.

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