Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 31, 2006

Jânio de Freitas - Da boca para fora



Folha de S. Paulo
31/8/2006

O "programa" lançado por Lula retoma com mais agressividade seu escapismo no assunto corrupção

O NÍVEL de sinceridade na disputa pela Presidência teve uma pequena melhora, com os ataques desferidos por Lula, Alckmin e Fernando Henrique, como expressão, afinal, de sentimentos pessoais evidentemente reprimidos. Mas os respectivos argumentos em nada atenuaram a mediocridade, que já parece sem remédio, da atual campanha. O acerto da pontaria é feito com desrespeito acintoso aos fatos e ao eleitor.
O "programa" lançado por Lula, sem programa algum e apenas para cumprir uma formalidade, retoma com mais agressividade o seu escapismo no assunto corrupção: "como podem falar de ética os autores da privataria/que engavetaram denúncias na Justiça/[abafaram] dezenas CPIs"? Por maior que possa ser a procedência desse questionamento, não leva os erros graves de ontem a anular os graves erros de hoje. Nem os desculpam. Os erros do PT e de integrantes da cúpula do governo, inclusive do círculo do Planalto, continuam sem receber de Lula uma palavra decente ao eleitorado, sem inverdades e artimanhas.
Caso este último, mais uma vez, da declaração que Lula acrescentou ao lançamento do "programa": "No meu governo é assim, não tem sujeira embaixo do tapete, doa a quem doer. Denunciem tudo o que for, que nós vamos apurar." As atitudes do PT no Congresso são todas orientadas pela Presidência. Com maior freqüência, sem reserva alguma. E o PT lutou de todos os modos para evitar as CPIs dos Correios, dos Bingos e do Mensalão. Nelas, lutou ferozmente para impedir e, quando impossível fazê-lo, para dificultar a apuração dos fatos e de suas autorias. As CPIs só se instalaram porque a Presidência da República, o PT e a chamada base do governo foram derrotados. Logo se viu que havia motivos fortes para tal resistência, e melhor faria Lula se a eles se referisse quando diz que "no meu governo é assim".
Na exaltada reação às referências do "programa" de Lula ao seu governo, Fernando Henrique fez a observação correta de que "não adianta dizer que o sistema é culpado. O sistema tem muitos erros, mas moral é conduta, é pessoal, é individual. Quem falha tem que ser punido porque falhou." Poderia desenvolver a observação, com muita utilidade. Preferiu outra via: "Quando há desvio ou alguma coisa equivocada, ele [Lula, claro] passa a mão na cabeça e diz que o companheiro errou. Não. O senhor errou, porque não puniu o companheiro. Isso precisa ser dito e cobrado".
Como precisa ser dito e cobrado, também, que isso mesmo foi feito no governo Fernando Henrique. Flagrado e gravado ao fazer tráfico de influência em benefício de empresa estrangeira, dentro mesmo do Planalto, o embaixador Júlio Cesar Santos recebeu na cabeça a mão protetora do presidente e, ainda mais, o presente de uma embaixada em Roma. Os que avançaram no "limite da responsabilidade", para manipular privatizações, e tantos outros, saíram incólumes do risco de CPIs, por ação direta da Presidência.
A sinceridade melhorou um pouco, mas em mão única.

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